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Ordm; livro - entre a Terra e o céu 10




 

12. Em casa de Antonina - No dia imediato, o grupo voltou, passando primeiro pelo lar de Zulmira, cuja posição orgânica era mais aflitiva. Apesar dos cuidados médicos e da preocupação de Amaro e Evelina, a torturada mãezinha deixava-se morrer. Diante da apreensão de André, Clarêncio afirmou: "Aguardemos. Numa equipe, quase sempre a melhora de um companheiro pode auxiliar a melhora de outro. A recuperação de Silva, ao que me parece, influenciará nossa amiga, na defesa contra a morte..." Ministrado a ela o recurso magnético, o grupo foi à casa do enfermeiro, que continuava superexcitado quanto na véspera, mas abnegadamente assistido pelas duas freiras, que persistiam, dedicadas, na oração. As religiosas deram conta de que o doente prosseguia em desespero, mas Clarêncio as confortou. Em seguida, tocando a fronte de Mário com a destra, orou sem alarde. Qual se recebesse preciosa transfusão de forças fluídicas, Silva aquietou-se, revelando-se mais calmo, apesar de triste. Sua expressão facial transformou-se em dolorosa serenidade. O instrutor aplicou-lhe alguns passes de auxílio e explicou que Mário necessitava ouvir a palavra de Antonina, mas estava hesitante, por crer-se responsável pela morte de Júlio. Acariciando-lhe a fronte, o Ministro elucidou: "O desabafo descarregar-lhe-á a atmosfera mental, favorecendo-lhe o alívio e a recepção de elementos renovadores". Em seguida, abraçou-o, envolvendo-o em amorosa solicitude. Aquele amplexo afetuoso e longo pareceu a André um apelo às energias recônditas do rapaz que, de imediato, levantou-se e vestiu-se e, ignorando por que assim agia, dirigiu-se à casa da família que o acolhera carinhosamente na antevéspera. (Cap. XXXV, págs. 227 e 228)

 

13. O sofrimento é um "fogo invisível" - Antonina e os filhos abriram-lhe os braços, alegremente, e a pequena Lisbela dependurou-se-lhe ao pescoço, depois de um beijo comovente. A renovada mulher, preocupada, notou o abatimento de Mário e, percebendo-lhe a angústia oculta, induziu-o à conversação particular, em singelo recanto da sala, onde fazia com os filhos o culto da oração. Mário, após pedir desculpas por tratar de assunto pessoal, desabafou por inteiro, relatando em minúcias sua convivência com Zulmira, o namoro, o rompimento do noivado, seu sofrimento, as idéias negativas e, por fim, o reencontro com a ex-noiva e o ex-rival, junto do filho agonizante... Referiu-se então ao ódio inexplicável que sentira pelo menino moribundo e expôs-lhe a convicção de haver contribuído para a morte da criança que detestara, à primeira vista. Antonina sentiu por ele a piedade amorosa com que as mães se dispõem ao soerguimento espiritual dos filhos sofredores e rogou-lhe serenidade, mas Mário, em pranto convulsivo, era um doente que reclamava mais ampla intervenção. Atraída irresistivelmente para ele, a nobre amiga ponderou, carinhosa: "Mário, quando caímos é preciso que nos levantemos, a fim de que o carro da vida, em seu movimento incessante, não nos esmague. Conhecemo-nos há dois dias, no entanto sinto que profundos laços de fraternidade nos reúnem. Não acredito estejamos aqui juntos, obedecendo a simples acaso. Decerto, as forças que nos dirigem a existência impelem-nos aos testemunhos afetivos desta hora. Enxugue as lágrimas para que possamos ver o caminho... Compreendo o seu drama de homem rudemente provado na forja da vida, entretanto, se posso pedir-lhe alguma coisa, rogar-lhe-ia bom ânimo". Ela relatou-lhe então as suas próprias lutas e decepções. Casando-se por amor, viu-se espoliada em suas melhores esperanças ao ser relegada pelo marido a dolorosa penúria. Depois, quando era intensa a agonia doméstica, viu um filhinho morrer ao toque das aflitivas provações que lhe flagelavam a casa... "Graças a Deus, todavia, reconheço -- disse ela -- que seríamos tão somente ignorância e miséria sem o auxílio da dor". "O sofrimento é uma espécie de fogo invisível, plasmando-nos o caráter." (Cap. XXXV, págs. 228 a 230)

 

14. Somos viajores da eternidade - Descrito o próprio sofrimento, Antonina conclamou: "Não se deixe abater, assim. Você está moço e as suas realizações no mundo podem ser as mais elevadas..." O rapaz então soluçou, desalentado: "Mas estou certo de que sou um assassino!..." Antonina retrucou: "Quem poderia confirmá-lo? E' indispensável recordemos que, atento à profissão, atendeu você a um menino completamente entregue ao domínio do crupe. O pequenino Júlio, à sua chegada, já estaria ofegante, sob as asas da morte". Como o enfermeiro aludia ao remorso e ao sentimento de derrota, seguido de medo de si mesmo, Antonina lhe perguntou, firme: "Mário, você acredita na reencarnação da alma?" E, antes que ele dissesse algo, ela prosseguiu: "Todos somos viajores no grande caminho da eternidade. O corpo de carne é uma oficina em que nossa alma trabalha, tecendo os fios do próprio destino. Estamos chegando de longe, a revivescer dos séculos mortos, como as plantas a renascerem do solo profundo... Naturalmente, você, Amaro, Zulmira e Júlio estão recapitulando alguma tragédia que ficou distanciada no espaço e no tempo, mas viva nos corações. E, mediante o carinho de sua confissão espontânea, não duvido de minha participação em algum lance da luta que motivou os acontecimentos da atualidade. Amor e ódio não se improvisam. Resultam de nossas construções espirituais nos milênios". Após tecer outras considerações sobre o assunto, Antonina ofereceu-se para cooperar com o seu esforço, de algum modo... "Colaborar? -- atalhou o rapaz, quase alucinado -- é impossível... O menino está morto..." Envolta nas irradiações de Clarêncio, Antonina alegou então: "E quem nos diz que Júlio não possa voltar à Terra? quem nos pronunciará incapazes de algo fazer a benefício da criancinha que partiu?". "Como? como?" -- indagou, atônito, o infeliz. "Escute, Mário" -- replicou a bondosa mulher. "O egoísmo não se revela feroz tão somente em nossas alegrias. Muitas vezes, comparece também, asfixiante e terrível, em nossas dores. Isso se verifica, quando em nossa mágoa pensamos apenas em nós. Você se declara delinqüente, amargurado, vencido, qual se fosse um herói repentinamente arrojado do altar da admiração pública à poeira da desconsideração". E ajuntou, objetiva: "Admito que concentrar demasiada atenção em culpas imaginárias é mera vaidade a encarcerar-nos na angústia vazia. Enquanto lastimamos a nossa imperfeição, perdemos a hora que seria justo utilizar em nossa própria melhoria". (Cap. XXXV, págs. 230 a 232)

 

 

15. Antonina oferece ajuda - Modificando a inflexão da voz, que se fez mais firme, Antonina lembrou-lhe o padecimento de Amaro e Zulmira, os sonhos maternos despedaçados, e propôs: por que não estender fraternos braços a eles? por que não visitá-los? por que não aproveitar esse momento difícil para a renovação e o crescimento? Antonina então ponderou: "E' possível que a Divina Bondade esteja reservando ali algum serviço para o seu propósito de elevação. Quem sabe? A volta de Júlio pode efetuar-se. Para isso, porém, será necessário reerguer o ânimo materno..." Chorando, Mário respondeu-lhe ao apelo: "Não tenho coragem!", ao que ela replicou, com energia: "Não, Mário! Em ocasiões dessas, não é a coragem que nos falha e sim a humildade. Nosso orgulho neste mundo, apesar de inconseqüente e vão, é por demais envolvente e excessivo. Não sabemos liberar a personalidade segregada no visco de nosso exagerado amor próprio. Em suma, aprisionamos o coração na escura fortaleza da vaidade e não sabemos ceder..." Apegando-se ao socorro moral que lhe era lançado, o enfermeiro suplicou-lhe expusesse ela mesma o que ele deveria fazer. "Dê-me um plano", rogou o infeliz. A jovem viúva, então, sentindo-se verdadeiramente irmã dele, acariciou-lhe as mãos e, igualmente em lágrimas de emotividade e reconhecimento, convidou-o a visitarem juntos o casal sofredor, na noite seguinte. Mário aceitou a gentileza, exultante. Ele estava convencido de que, ao lado dela, encontraria uma solução. (Cap. XXXV, págs. 232 a 233)

 

16. A reconciliação - Três dias se passaram desde a desencarnação de Júlio, e Zulmira apresentava-se esgotada. No momento em que recebia a assistência magnética de Clarêncio, chegaram à sua casa Mário, Antonina e Haroldo. Amaro e Evelina fizeram as honras da casa. Acolhedor, embora triste, o ferroviário demonstrava seu contentamento por ver terminar ali velha e desagradável desavença. Ao lado de Mário constrangido e desajeitado, Antonina era toda simpatia e bondade, a cativar, de imediato, a amizade dos anfitriões. O enfermeiro, após apresentá-la a Amaro, comentou a penosa impressão que lhe causara o falecimento de Júlio e pediu escusas por não haver reaparecido, como era do seu dever. A ocorrência desnorteara-o, a tal ponto que ele mesmo ficou acamado. Mário falava realmente comovido, porque seus olhos represavam-se de lágrimas que não chegavam a cair. Aquela emotividade manifesta, aliada à sua humildade sincera, tocou o coração de Amaro, que se abriu também, amplamente. O genitor de Júlio revelou ter percebido a dor do enfermeiro e confessou que sua aflição muito o comovera naquele transe difícil. A generosidade do ex-rival influenciou o enfermeiro de modo decisivo. As vibrações de afabilidade e carinho que se desprendiam do apontamento afetuoso modificavam-lhe o íntimo, e isso permitiu ao rapaz sentir balsamizante desafogo. Ele então, reportando-se à tortura moral que o assaltara, assim que viu a criança inerte, deteve-se na breve descrição do complexo de culpa que o acometera. Teria seguido com segurança a indicação do médico? Não se enganara na dosagem? Amaro, bondoso, tranqüilizou-o, dizendo: "Não havia motivo para tamanha preocupação. Desde a primeira visita médica, compreendi que o nosso filhinho estava condenado. O soro foi o último recurso". (Cap. XXXVI, págs. 234 e 235)

8a R E U N I Ã O

 

(Fonte: Capítulos XXXVI a XL.)

 

1. A sabedoria do Pai - Armando revelou ao enfermeiro ter passado por provação igual àquela, quando perdeu o caçula de seu primeiro matrimônio, estranhamente afogado numa de suas raras excursões à praia. Naquela época, quase enlouqueceu, mas, apegando-se à religião para não soçobrar, compreendia agora que somente nos compete acatar os desígnios de Deus, porque não passamos de criaturas necessitadas de socorro divino, a cada instante de nossa experiência humana. Antonina aprovou esse pensamento, dizendo: "Sem dúvida, sem apoio espiritual, não avançaríamos um passo no terreno da verdadeira harmonia íntima. A morte do corpo nem sempre é o pior que nos possa acontecer. Quantas vezes os pais são constrangidos a acompanhar a morte moral dos filhos, no crime ou na viciação que não conseguem interromper?" E relatou que também perdera um filho ainda pequeno, mas procurou acomodar-se à saudade sem revolta, porque a Sabedoria do Senhor não deve ser menosprezada. Amaro disse, na seqüência, ter encontrado no Catolicismo, sobretudo na leitura de Santo Agostinho, abençoado ensejo de renovação, e, como perguntasse se Antonina era católica, esta informou ser adepta do Espiritismo, o que não impedia procurarem ambos o Mestre. Daí a instantes chegou a casa o médico da família, para examinar Zulmira, que adoecera com a enfermidade do filho e desde a morte dele não mais se alimentara. A conversa enveredou, pois, para a saúde da enferma e seus desajustes psíquicos anteriores à gravidez. Com a maternidade triunfante, ela se renovara, revelara-se mais alegre, readquirira a saúde plena. Com a desencarnação da criança, nova crise se instalara, porém, naquela casa e a moléstia asilara-se, de novo, entre suas quatro paredes. O enfermeiro, a permutar significativos olhares com Antonina, de quando em quando mostrava sua perplexidade e desencanto com o que ouvia. A confissão de Amaro constituía um testemunho de humildade pura. Mário via que seu antagonista era um homem comum, necessitado, como ele, de paz e compreensão, e não o rival arrogante e orgulhoso que ele supunha em suas elucubrações mentais. (Cap. XXXVI, págs. 235 a 238)

 

2. Mário doa sangue à enferma - Após ter examinado Zulmira, o médico tornou à sala. De semblante torturado, disse ao ferroviário: "Amaro, a providência é quase impossível quando a previdência não funciona. A posição de Zulmira piorou muitíssimo nas últimas horas. O soro aplicado desde ontem não trouxe o resultado preciso. O abatimento é enorme. Creio indispensável uma transfusão de sangue ainda esta noite, para que não sejamos amanhã surpreendidos por obstáculos insuperáveis". Amaro empalideceu. Antonina voltou-se em silêncio para Silva, como a dizer-lhe, de coração para coração: "Não hesite. E' a sua hora de ajudar. Aproveite a oportunidade". O enfermeiro levantou-se maquinalmente e, antes que Amaro falasse qualquer coisa, ele apresentou-se ao médico, explicando: "Doutor, se a minha cooperação for aceita, sentirei prazer nisso. Sou doador de sangue no hospital em que trabalho. Um telefonema seu ao pediatra amigo, a quem o senhor recorreu no caso de Júlio, pode confirmar as minhas palavras". Amaro, comovido, abraçou-o reconhecidamente, mas nada mais conseguiu dizer. Antonina pôs-se à disposição de Evelina para qualquer atividade caseira, enquanto o médico e Silva partiam em busca do material necessário. Uma hora depois, a transfusão começou. Assumindo a direção da enfermagem, Antonina parecia uma figura providencial. Amparou a doente com carinho, auxiliou o clínico e, ainda, colaborou com Evelina para que todas as medidas alusivas à higiene se efetuassem em harmonia. Após a transfusão, a enferma reagiu favoravelmente, mas o enfermeiro acusou profundo abatimento, enquanto em seus olhos brilhava uma luz diferente. Ele estava reabilitado perante a própria consciência. O médico ministrou-lhe, de imediato, os recursos aconselháveis, e ele permaneceu instalado comodamente, em larga poltrona, junto dos amigos. Nas despedidas, Antonina ofereceu-se para voltar na manhã seguinte, a fim de prestar a assistência devida à enferma. Amaro ficou muito contente com a oferta, que aceitou de pronto, considerando a enorme dificuldade para se encontrar uma enfermeira ou governanta nessas horas difíceis. No retorno a casa, Mário, fitando a companheira de excursão com reconhecimento e carinho, sentiu-se reconciliado consigo mesmo e irradiava a alegria silenciosa de quem retorna à felicidade. (Cap. XXXVI, págs. 238 a 240)

 

3. Zulmira revê o filho - Quando os amigos se afastaram, Clarêncio cercou Zulmira de cuidados especiais, aplicando-lhe passes de reconforto. A injeção de sangue renovador lhe fizera grande bem. Pouco a pouco, acomodaram-se-lhe os centros de força. Desde a desencarnação do filho, ela não desfrutara tão acentuado repouso quanto naquela hora. Clarêncio recomendou a Odila preparasse o menino para o reencontro com a mãe. Zulmira vê-lo-ia, buscando energias novas. Quando ela se retirou para atender à sua missão, o Ministro falou: "Um sonho reconfortante é uma bênção de saúde e alegria para os nossos irmãos encarnados". Nesse momento, Zulmira, em Espírito, levantou-se e os contemplou, surpresa. Seu olhar estava lúcido. Clarêncio afagou-a, como se o fizesse a uma filha, rogando-lhe calma e fé; em seguida, o grupo partiu, em demanda ao Lar da Bênção, conduzindo Zulmira. Ela, contudo, não percebeu o espetáculo magnificente da Natureza, porquanto, introvertida, só pensava na imagem da criança morta. O Lar da Bênção mostrava-se maravilhoso. Flores de rara beleza coloriam a estrada e embalsamavam-na de suave perfume. Aqui e ali, doces melodias vibravam no ar. Zulmira parecia, porém, insensível à beleza do ambiente, em face da tortura interior de que se via possuída, mostrando, uma vez mais, que o paraíso da alma, em verdade, reside onde se lhe situa o amor. Quando o grupo penetrou o berçário onde o menino repousava, sob a abnegada vigilância de Blandina e Odila, Zulmira tentou arrojar-se sobre a criança sonolenta, sendo delicadamente advertida por Clarêncio, que a sustentou, asseverando: "Zulmira, não perturbes o pequenino se o amas". (Cap. XXXVII, págs. 241 e 242)

 

4. Odila conta a verdade sobre Júlio - Ante a observação do Ministro, Zulmira respondeu, semidesvairada: "E' meu filho!" O instrutor disse-lhe, então: "Não ignoramos que Júlio se asilou na Terra em teu regaço e, por isso, fomos teus companheiros na presente viagem para que amenizes a tua dor. Entretanto, não admitas que o egoísmo te ensombre a alma!... Certamente, o carinho materno é um tesouro inapreciável, contudo não devemos olvidar que todos somos filhos de Deus, nosso Eterno Pai! Acalma-te! Pede ao Senhor os recursos necessários para que o teu devotamento seja um auxílio positivo ao pequenino necessitado!..." Tocada por essas palavras, Zulmira desfez-se em pranto. Enlaçada afetuosamente por Odila, reconheceu a primeira esposa de Amaro e recordou a luta que haviam atravessado, quando do afogamento de Júlio. O remorso voltou a refletir-se-lhe na mente e, atribulada, exclamou: "Odila! perdoa-me, perdoa-me!... agora vejo o inferno que te impus, despreocupando-me de teu filhinho... Hoje pago com lágrimas minha deplorável displicência! Ajuda-me, querida irmã!... Sê para o meu Júlio a guardiã que não fui para o teu!" Odila acariciou-a, compadecidamente, dizendo-lhe: "Tem paciência! a aflição é um incêndio que nos consome... Paguemos à vida o tributo da conformação na dor, para que sejamos efetivamente dignas do socorro celestial..." E, beijando-a nos olhos, aduziu: "Enxuga as lágrimas que te fustigam inutilmente. A serenidade é o nosso caminho de reestruturação espiritual. Não te reportes ao passado... Vivamos o presente, fazendo o melhor ao nosso alcance". Respondendo-lhe, Zulmira acentuou, em tom amargo: "Agora, porém, que sofro as agruras de minha prova, penso em teu anjinho..." Odila, conchegando-a de encontro ao peito, conduziu-a para mais perto do menino adormecido e, apontando-o, aclarou, satisfeita: "Ouve! meu filhinho é também o teu. Júlio de hoje é o nosso Júlio de ontem. Pesados compromissos com o pretérito obrigaram-no a aceitar as dificuldades do momento... Em nosso aprendizado de agora, teve a existência frustrada por duas vezes, a fim de valorizar, com segurança, a bênção da escola terrestre". "O corpo de carne é uma veste que o nosso Júlio usou de dois modos diferentes, por nosso intermédio." E sorrindo, ante a companheira perplexa, Odila acrescentou: "Como vemos, somos duas mães, partilhando o mesmo amor". (Cap. XXXVII, págs. 242 a 244)

 

5. Zulmira tenta compreender os fatos - A revelação feita por Odila imobilizou a garganta de Zulmira, que nada pôde falar. No imo d'alma, algo lhe alterou o campo emotivo; secaram-se-lhe as lágrimas; seu olhar se fez mais brilhante. Zulmira parecia uma estátua viva que, sem resistência, deixou-se conduzir por Odila até um leito próximo, para ajustar-se ao repouso preciso. Ela agora começava a compreender: Júlio, prematuramente expulso da experiência material pelo afogamento, tornara ao mundo em nova tentativa que redundara em fracasso... Por quê? por quê? O pensamento dolorido tentava penetrar os segredos do tempo, arrastando-a ao passado remoto, mas o cérebro doía-lhe, dilacerado... Não lhe era possível naquelas circunstâncias o domínio das reminiscências, mas percebia que a Bondade Divina reúne as almas nos mesmos laços de trabalho e esperança do caminho redentor... Recordou a animosidade que experimentara por Júlio, logo após seu casamento, e seu ciúme diante das atenções que Amaro lhe dispensava, e reconheceu que a Providência Divina, ligando-o ao coração de mãe, lhe sublimara os sentimentos... Agora sentia por ele inexpressável carinho e iluminado amor... De espírito assim transformado, via em Odila não mais a rival, mas a benfeitora que lhe seguira de perto a transfiguração. Enlaçou-se então a ela, em pranto silencioso, qual se lhe fora filha a ocultar-se nos braços maternais, e Odila, imensamente comovida, correspondia-lhe às manifestações afetivas, afagando-lhe os cabelos. Clarêncio sugeriu-lhe repouso e, assim, Zulmira ficou só, no descanso justo, para que o corpo denso fosse mais amplamente beneficiado pelo sono reparador. Horas mais tarde, quando o relógio da Terra marcava nove da manhã, Zulmira -- cujo Espírito foi reconduzido pelos amigos à sua casa -- despertou no corpo físico. (Cap. XXXVII, págs. 244 e 245)

 

6. Fome de fé - Retomando o equipamento cerebral mais denso, Zulmira não conseguiu lembrar-se com detalhes da excursão ao Lar da Bênção, guardava a impressão nítida de que revira o filho em "alguma parte" e semelhante certeza lhe restaurara a calma e a confiança. Sentia-se mais leve, quase feliz, e Evelina, quando a viu pela manhã, identificou-lhe as melhoras, rendendo graças a Deus. A jovem levou Antonina e Lisbela ao quarto. Zulmira as saudou, satisfeita, relatando à visitante as impressões renovadoras de que se via dominada e agradecendo o cuidado de que era objeto. Estava convicta de que vira Júlio e abraçara-o... Onde e como? não sabia dizer. Antonina afirmou-lhe ter certeza de que ela reencontrara o filhinho no plano espiritual. "A senhora julga então possível?", indagou a dona da casa, de olhos faiscantes. "Como não? -- aduziu Antonina, confortada -- a morte não existe como a entendemos. Do Além, nossos amados que partiram estendem-nos os braços". E ajuntou: "Tenho igualmente um filho na Vida Maior que vem sendo para mim precioso sustentáculo". Zulmira demonstrou invulgar interesse na conversa. Há momentos em que somos castigados pela fome de fé, e Antonina era uma fonte irradiante de otimismo e firmeza moral. Enquanto Evelina e Lisbela foram atender à limpeza do lar, as duas novas amigas passaram a mais íntimo entendimento, e isso foi realmente providencial, porque, quando o grupo socorrista saiu da casa de Amaro, notou que Zulmira, de alma restaurada, ao toque de novas esperanças, mostrava no rosto a tranqüilidade segura de abençoada convalescença. (Cap. XXXVII, págs. 245 a 247)

 

7. O amor transforma o destino - A tempestade de sentimentos, no grupo a que Clarêncio dava sua assistência, amainou, pouco a pouco... Júlio aguardava sem sofrimento o retorno à vida física. Zulmira, sob a influência benéfica de Antonina, renovara-se para a vida. Mário Silva, transformado pela convivência com a jovem viúva, afeiçoara-se a ela profundamente. Sólida amizade fizera-se entre as personagens desta história. Semanalmente eles se visitavam, com intraduzível contentamento para Evelina, que se convertera em pupila de Antonina, tão grande a sua afinidade. O lar de Amaro transfigurara-se. O enfermeiro parecia ter voltado à juventude; a camaradagem social modificara-lhe a feição; perdera a taciturnidade em que a maioria dos solteirões mergulha. Amigo dos filhos de Antonina, estes fizeram dele o confidente de suas realizações. Por várias vezes Amaro e a esposa participaram do culto evangélico em casa de Antonina, retirando-se depois edificados e felizes. Aquela mulher, viúva e digna, cada vez mais crescia na admiração de todos e, dentro de suas possibilidades limitadas, o ferroviário passou a fazer pela educação inicial dos meninos quanto lhe era possível, associando o enfermeiro em todos os seus empreendimentos dessa ordem. Certa manhã de domingo, Mário foi à casa de Amaro, para aguardar a chegada de Antonina com as crianças. Todo o grupo familiar iria almoçar, ao ar livre, em parque próximo. Clarêncio, vendo aquela cena, estava feliz. "Graças a Jesus, vemos nosso enfermeiro efetivamente modificado", comentou o Ministro. "Dir-se-ia que uma revolução explodiu dentro dele", observou André. "O amor é assim -- acentuou o instrutor, imperturbável --, uma força que transforma o destino". Depois, informou haver consultado o programa traçado para a reencarnação de Antonina, que se havia comprometido a colaborar, maternalmente, para que Leonardo Pires obtivesse novo corpo na Terra. Como, na condição de Lola Ibarruri, fora a causa do crime cometido por Leonardo, ela agora, como mãe, cuidaria de sua educação... (Cap. XXXVIII, págs. 248 e 249)

 

8. Casamento requer a amizade pura - Hilário entendeu que Antonina iria casar-se com Mário Silva, mas antes que o dissesse, Clarêncio elucidou: "Silva e Leonardo enlaçaram-se em complicadas dívidas um para com o outro. Desde muito tempo, cultivam o espinheiro da aversão recíproca. Induzidos agora às teias da consangüinidade, esperamos se reeduquem. Da Lei ninguém foge..." Enquanto o Ministro assim falava, Amaro disse ao enfermeiro: "Escuta, Mário. Não me assiste o direito de qualquer interferência em tua vida, entretanto, sentindo-te por meu irmão, venho refletindo acerca do futuro... Não te parece que Antonina seja a mulher digna do teu ideal de homem de bem?" Como Mário ficasse corado e nada respondesse, Amaro prosseguiu: "Desde o teu regresso à nossa amizade, observo com respeito crescente a distinção dessa mulher, cuja aproximação tem sido uma bênção em nossa casa. Moça ainda, pode fazer a felicidade de um lar que seria um santuário para as tuas experiências. Comove-me anotar-lhe os sacrifícios de mãe jovem, quando, com a tua aliança, preservaria a própria saúde, indiscutivelmente tão preciosa a tanta gente. Já me inteirei da posição dela na fábrica em que trabalha. E' querida de todos. Para muitas colegas, tem sido a enfermeira e a irmã abnegada de sempre. Seus chefes veneram-lhe a conduta irrepreensível. Isso é admirável numa viúva de apenas trinta e dois anos. Além disso, reparo-lhe os filhinhos unidos ao teu coração, como se te pertencessem. Não te dói vê-la enfrentar sozinha a batalha em que se consome?" Mário, algo refeito da surpresa, replicou, humilde: "Compreendo... Tenho examinado essa possibilidade, no entanto, não sou mais uma criança..." "Por isso mesmo -- revidou o amigo, encorajado --, a hora presente exige método, reconforto, proteção... Um pouso doméstico é investimento dos mais preciosos para o futuro". O enfermeiro, relutante, respondeu informando que seu coração assemelhava-se "a um pássaro entorpecido": "Sinto-me francamente incapaz de uma paixão..." "Que tolice! -- asseverou Amaro, bem humorado -- a felicidade é quase impraticável nas afeições impulsivas que estouram do sentimento à maneira de champanha ilusória..." E acentuou: "O amor dos namorados, com noventa graus à sombra, por vezes é simples fogo de palha, deixando apenas cinza. Ò medida que se me alonga a experiência no tempo, reconheço que o matrimônio, acima de tudo, é união de alma com alma. Falo com o discernimento do homem que se consorciou por duas vezes. A paixão, meu caro, é responsável por todas as casas de boneca que oferecem por aí espetáculos dos mais tristes. A amizade pura é a verdadeira garantia da ventura conjugal". "Sem os alicerces da comunhão fraterna e do respeito mútuo, o casamento cedo se transforma em pesada algema de forçados do cárcere social." O enfermeiro ouviu tais reflexões, enlevado e surpreso. Ele pensava, sim, que Antonina era a mulher ideal, capaz de entender-lhe o coração, e devotara-se a ela e aos três pequenos com imenso carinho e confiança que, se fosse compelido um dia à separação, se sentiria lesado em suas mais caras alegrias... (Cap. XXXVIII, págs. 250 e 251)





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