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Ordm; livro - entre a Terra e o céu 8 страница




 

4. A redução do perispírito - Na noite seguinte, o grupo voltou à casa de Amaro, onde Odila os recebeu, contente e gentil. Júlio dormia. Na verdade, ele não mais acordara. Parecia que o reencarnante desaparecia pouco a pouco, na constituição orgânica de Zulmira, como se a gestante fosse um filtro miraculoso a absorvê-lo. Odila estava satisfeita e es­perançosa, porque as aflições e os gemidos do filho lhe haviam dilace­rado o coração. O renascimento representava, por esse motivo, uma bên­ção para as inquietantes responsabilidades maternais de que se via de­tentora. Júlio estava muito diferente. Seu corpo sutil denotava espan­tosa transformação, pois adelgaçara-se de maneira surpreendente. Tinha-se a impressão de que ele e Zulmira, alma com alma, se fundiam um no outro. A segunda esposa de Amaro modifi­cara-se de forma sensí­vel. Revelava-se agora mais alegre e mais côns­cia das obrigações que lhe competiam. A transfusão fluídica era ali evidente. O organismo ma­terno parecia um alambique destinado a sutili­zar as energias do reen­carnante, para restituí-las, decerto, a ele mesmo, na formação do novo envoltório. Clarêncio elucidou: "A reencar­nação, tanto quanto a desen­carnação, é um choque biológico dos mais apreciáveis. Unido à matriz geradora do santuário materno, em busca de nova forma, o perispírito sofre a influência de fortes correntes ele­tromagnéticas, que lhe impõem a redução automática. Constituído à base de princípios químicos semelhantes, em suas propriedades, ao hidrogê­nio, a se expressarem através de moléculas significativamente distan­ciadas umas das outras, quando ligado ao centro genésico feminino ex­perimenta expressiva con­tração, à maneira do indumento de carne sob carga elétrica de elevado poder. Observa-se, então, a redução volumé­trica do veículo sutil pela diminuição dos espaços inter-moleculares. Toda matéria que não serve ao trabalho fundamental de refundição da forma é devolvida ao plano etereal, oferecendo-nos o perispírito esse aspecto de desgaste ou de maior fluidez". Ali, os princí­pios organogê­nicos essenciais do peris­pírito já se encontravam reduzi­dos na intimi­dade do altar materno, e, à maneira de um ímã, iam aglu­tinando sobre si os recursos de formação do novo vestuário de carne que lhe seria o vaso próximo de manifesta­ção, enquanto a forma, em ativo processo de dissolução, rarefazia-se. (Cap. XXIX, págs. 178 a 180)

 

5. A comunhão entre mãe e filho - Clarêncio comparou aquele fenômeno à desencarnação, quando o corpo, que então parece dormir, na realidade restitui à Natureza as unidades químicas que o compõem. A grande dife­rença é que o desencarnante, mesmo quando em deploráveis condições de sofrimento, avança para a libertação relativa, ao passo que o reencar­nante volta às teias da matéria densa. E' por isso que, conduzidos à reconstituição orgânica, o homem revive, nos primeiros tempos da orga­nização fetal, todo o pretérito biológico. Esses princí­pios funcionam igualmente para os animais? Clarêncio disse que sim. Todos nos achamos na grande marcha de crescimento para a imortalidade. Nas linhas infi­nitas do instinto, da inteligência, da razão e da su­blimação, permane­cemos todos vinculados à lei do renascimento como inalienável condição de progresso. Vivenciamos experiências múltiplas e as recapitulamos, tantas vezes quantas se fizerem necessárias na grande jornada para Deus. "Crisálidas de inteligência nos setores mais obscuros da Natu­reza -- asseverou o instrutor -- evolvem para o plano das inteligên­cias fragmentárias, onde se localizam os animais de ordem superior que, por sua vez, se dirigem para o reino da consciência hu­mana, tanto quanto os homens, pouco a pouco, se encaminham para as gloriosas esfe­ras dos anjos". Hilário pediu a Clarêncio explicar, da forma mais sim­ples possível, como se dava, naquele momento, a comunhão fisiopsíquica de Zulmira e Júlio, e o Ministro, após refletir alguns momentos, disse: "Imaginemos um pêssego amadurecido, lançado à cova escura, a fim de renascer. Decomposto em sua estrutura, restituirá aos reserva­tórios da Natureza todos os elementos da polpa e dos demais en­voltórios que lhe revestem os princípios vitais, reduzindo-se no imo do solo ao embrião minúsculo que se transformará, no espaço e no tempo, em novo pessegueiro". O ensinamento não podia ser mais lógico e preciso. (Cap. XXIX, págs. 180 e 181)

 

6. A questão da hereditariedade - O exemplo dado por Clarêncio explica por que, na maioria dos casos, as crianças desencarnadas reclamam pe­ríodo de tempo mais ou menos longo para demonstrarem crescimento men­tal. "Isso acontece com a maioria -- informou o Ministro --, de vez que há exceções na regra. Em muitas circunstâncias, semelhante imposi­ção não existe. Quando a mente já desenvolveu certas qualidades, apri­morando-se em mais altos degraus de sublimação espiritual, pode arro­jar de si mesma os elementos indispensáveis à composição dos veículos de exteriorização de que necessite em planos que lhe sejam inferio­res". "Nesses casos, o Espírito já domina plenamente as leis de aglu­tinação da matéria, no campo de luta que nos é conhecido, e, por esse motivo, governa o fenômeno da própria reencarnação sem subordinar-se a ele." Embora doloroso, o problema de Júlio era educativo. Tendo fra­cassado na carne, na carne encontraria caminho ao próprio reajuste. Hilário perguntou sobre a questão da hereditariedade em tais casos. Júlio renasceria sem a moléstia que o apoquentava, por herdar fatal­mente os característicos biológicos dos pais? Clarêncio informou que a hereditariedade, tal como é aceita no mundo, tem os seus limites. Fi­lhos e pais guardam, sempre, afinidade magnética entre si. Assim, os pais fornecem determinados recursos ao reencarnante, mas esses recur­sos estão condicionados às necessidades da alma que lhes aproveita a cooperação, porque, no fundo, "somos herdeiros de nós mesmos". "Assimilamos as energias de nossos pais terrestres, na medida de nos­sas qualidades boas ou más, para o destino enobrecido ou torturado a que fazemos jus, pelas nossas conquistas ou débitos que voltam à Terra conosco, emergindo de nossas anteriores experiências", ajuntou Clarên­cio. Júlio transportaria consigo a mesma enfermidade, à maneira de al­guém que, em se mudando de residência, não modifica o quadro orgânico. Durante a gravidez, a mente da criança estaria associada à mente ma­terna, influenciando a formação do embrião. Assim, todo o cosmo celu­lar do novo corpo ficaria impregnado pelas forças do pensamento enfer­miço do reencarnante, renascendo Júlio com as deficiências de que ainda era portador, embora favorecido pelo material genético dos pais, nos limites da lei de herança, para a constituição do novo envoltório. O Ministro, então, concluiu: "Como vemos, na mente reside o comando. A consciência traça o destino, o corpo reflete a alma. Toda agregação de matéria obedece a impulsos do espírito. Nossos pensamen­tos fabricam as formas de que nos utilizamos na vida". (Cap. XXIX, págs. 181 a 183)

 

7. Uma amigdalite ameaça a gestação - Passado um mês, Odila procurou Clarêncio solicitando ajuda. Ela estava triste, atormentada. Zulmira, incompreensivelmente para ela, havia contraído perigosa amigdalite e sofria muito. Baldados os seus esforços por liberar a gestante de se­melhante aborrecimento físico, Odila inspirou Amaro a trazer um mé­dico, mas temia que este, ignorando a gravidez, pudesse aplicar-lhe recursos impróprios. Clarêncio e seus amigos foram, de noite, à casa de Zulmira, encontrando-a no leito, em aflitiva prostração. Cabelos em desalinho, olheiras arroxeadas e faces rubras de febre, parecia aguar­dar a chegada de alguém que a auxiliasse a debelar a crise. A supura­ção das amígdalas poluíra-lhe o hálito e lhe impunha dores lancinan­tes. Apesar do carinho do esposo e de Evelina, a mulher que trinta dias antes estava corada e bem disposta, revelava-se então profunda­mente abatida. Clarêncio aplicou-lhe recursos magnéticos, detendo-se de modo particular na região do cérebro e na fenda glótica. A doente acusou melhoras imediatas; reabilitou-se o movimento circulatório; a febre decresceu, propiciando-lhe repouso, e o sono reparador surgiu por fim, favorecendo-lhe a recuperação. Qual seria a causa da moléstia insidiosa, que tão violenta se apresentara? A esta pergunta de Hilá­rio, Clarêncio respondeu: "A questão é sutil. A mulher grávida, além da prestação de serviço orgânico à entidade que se reencarna, é igual­mente constrangida a suportar-lhe o contacto espiritual, que sempre constitui um sacrifício quando se trata de alguém com escuros débitos de consciência. A organização feminina, durante a gestação, sofre ver­dadeira enxertia mental. Os pensamentos do ser que se acolhe ao san­tuário íntimo, envolvem-na totalmente, determinando significativas al­terações em seu cosmo biológico. Se o filho é senhor de larga evolução e dono de elogiáveis qualidades morais, consegue auxiliar o campo ma­terno, prodigalizando-lhe sublimadas emoções e convertendo a materni­dade, habitualmente dolorosa, em estação de esperanças e alegrias in­traduzíveis, mas no processo de Júlio observamos duas almas que se ajustam nas mesmas dívidas e na mesma posição evolutiva". Eles in­fluenciavam-se, mutuamente. (Cap. XXX, págs. 184 a 186)

 

8. Um processo de modelagem - Clarêncio fez longa pausa, tornou aos passes e depois continuou: "Se Zulmira atua, de maneira decisiva, na formação do novo veículo do menino, o menino atua vigorosamente nela, estabelecendo fenômenos perturbadores em sua constituição de mulher. A permuta de impressões entre ambos é inevitável e os padecimentos que Júlio trazia na garganta foram impressos na mente maternal, que os re­produz no corpo em que se manifesta. A corrente de troca entre mãe e filho não se circunscreve à alimentação de natureza material; estende-se ao intercâmbio constante das sensações diversas. Os pensamentos de Zulmira guardam imensa força sobre Júlio, tanto quanto os de Júlio re­velam expressivo poder sobre a nova mãezinha. As mentes de um e de ou­tro como que se justapõem, mantendo-se em permanente comunhão, até que a Natureza complete o serviço que lhe cabe no tempo. De semelhante as­sociação, procedem os chamados sinais de nascença. Certos estados ín­timos da mulher alcançam, de algum modo, o princípio fetal, marcando-o para a existência inteira. E' que o trabalho da maternidade assemelha-se a delicado processo de modelagem, requisitando, por isso, muita cautela e harmonia para que a tarefa seja perfeita". Na seqüência, o Ministro levou a efeito diversas operações magnéticas de auxílio à ca­vidade pélvica, afirmando a necessidade de socorro ao útero, em vista do complicado desenvolvimento do reencarnante. Hilário aludiu, naquele instante, à transformação do sistema nervoso que se observa na mulher grávida. Muitas vezes, a gestante revela decréscimo de vivacidade men­tal e, não raro, enuncia propósitos da mais rematada extravagância, havendo mulheres que adquirem antipatias súbitas e outras que se re­colhem a fantasias injustificáveis. Diante da observação feita por Hi­lário, o instrutor elucidou: "A explicação é muito clara. A gestante é uma criatura hipnotizada a longo prazo. Tem o campo psíquico invadido pelas impressões e vibrações do Espírito que lhe ocupa as possibilida­des para o serviço de reincorporação no mundo. Quando o futuro filho não se encontra suficientemente equilibrado diante da Lei, e isso acontece quase sempre, a mente maternal é suscetível de registrar os mais estranhos desequilíbrios, porque, à maneira de um médium, estará transmitindo opiniões e sensações da entidade que a empolga". (Cap. XXX, págs. 186 e 187)

 

9. As náuseas da gravidez - Hilário lembrou ter observado na Terra a inopinada aversão de muitas gestantes contra os próprios maridos. Cla­rêncio explicou que isso ocorre "sempre que um inimigo do pretérito volta à carne, a fim de resgatar débitos contraídos para com aquele que lhe servirá de pai". E se a animosidade do reencarnante for com a mãe? Nesse caso, surgirão obstáculos à reencarnação? Clarêncio respon­deu: "De modo algum. A esposa, por devotamento ao companheiro, cede facilmente à necessidade da alma que volta ao reduto doméstico para fins regeneradores e, em se tratando de alguém com intensa afini­dade junto ao chefe do lar, vê-se o marido docemente impulsionado a ofere­cer maior coeficiente afetivo à companheira, de vez que se sente en­volvido por forças duplas de atração. Sob dobrada carga de simpatia, dá muito mais de si mesmo em atenção e carinho, facilitando a tarefa maternal da mulher". Passados alguns dias, Odila informou a Clarêncio que Zulmira atravessava nova crise orgânica. Vômitos incoercíveis per­turbavam-na cruelmente; não tolerava a mais leve alimentação; o sis­tema digestivo apresentava alterações profundas; os recursos médicos eram infrutíferos. Clarêncio agiu imediatamente, porquanto as náuseas repetidas provocavam a gradativa incursão da anemia. Submetendo-a a passes magnéticos de longo curso, o instrutor informou que a gestante apresentaria melhoras. Hilário indagou o porquê das náuseas tão comuns durante a gravidez. O Ministro respondeu dizendo que no futuro a ciên­cia aju­daria a mulher na defesa contra essa espécie de aborrecimento orgâ­nico, que, no fundo, é de essência espiritual. O organismo ma­terno, absorvendo as emanações da entidade reencarnante, funciona como um exaustor de fluidos em desintegração, fluidos esses que nem sempre são aprazíveis ou facilmente suportáveis pela sensibilidade feminina. Daí os engulhos freqüentes, de tratamento até então muito difícil. Zul­mira foi melhorando e, meses depois, Odila foi até Clarêncio anun­ciar, com grande júbilo, que o menino tornara à luz terrestre, conser­vando novamente o nome Júlio. (Cap. XXX, págs. 187 a 189)

 

10. O menino cai doente - O pequeno Júlio desenvolvia-se como flor de esperança no jardim do lar, todavia era um menino mirrado, enfermiço, por trazer dolorosa ferida na glote, que lhe dificultava a nutrição. Em vésperas do primeiro aniversário de nascimento, quando já começava a falar alguma coisa, nova luta surgiu. O inverno rigoroso trouxera vasto surto de gripe. A tosse e a influenza compareciam pertinazes em todos os recantos, quando, num dia de grande trabalho, Odila foi à busca de Clarêncio. Júlio, assaltado por teimosa amigdalite, jazia prostrado, febril. O Ministro e seus companheiros chegaram à casa de Amaro no momento em que o médico da família efetuava meticuloso exame. A gar­ganta do menino apresentava extensa placa branquicenta e a respi­ração se fazia angustiada, sibilante. Clarêncio colocou a destra na fronte do médico, compelindo-o a refletir com maior atenção. Após um longo silêncio, o clínico pediu que chamassem o marido, enquanto ele busca­ria a ajuda de um pediatra. Zulmira conteve a custo as lágrimas que lhe borbulhavam dos olhos, enquanto o médico saiu à procura do co­lega e Evelina correu para avisar seu pai. (Cap. XXXI, págs. 190 e 191)

 

11. Mário Silva revê Antonina - A sós com o filho, Zulmira abraçou-se ao doentinho e, chorando, ciciou: "O' meu Deus, com tanto amor recebi o filho que me enviaste!... Não me deixes agora sem ele, Senhor!..." Clarêncio informou então: "A difteria está perfeitamente caracteri­zada. A deficiência congenial da glote favoreceu a implantação dos ba­cilos. E' imprescindível o socorro urgente". Amaro chegou, desolado, e logo depois o pediatra e o clínico submeteram o petiz a prolongado exame. Suspeitando que o menino estivesse com crupe, providenciou desde logo o material necessário aos exames laboratoriais. Se a hipó­tese se confirmasse, enviaria um enfermeiro de confiança para a apli­cação do soro adequado. Clarêncio pediu a André e Hilário que acompa­nhassem o pediatra, enquanto ele ficaria junto ao enfermo. Chegados a um grande hospital, eles tiveram uma surpresa: o enfermeiro Mário Silva (Esteves no passado) palestrava com dona Antonina (a ex-cantora Lola Ibarruri), que acomodava ao colo a pequena Lisbela, pálida e ofe­gante. A jovem mulher aguardava o especialista, trazendo a menina à consulta. Amparadas pelo enfermeiro, francamente atraído para a simpá­tica visi­tante, mãe e filha tiveram acesso a gabinete particular, onde o médico diagnosticou uma pneumonia. Antonina foi aconselhada a vol­tar, de ime­diato, ao lar, para a medicação da filha; a penicilina de­veria ser ad­ministrada sem qualquer demora. Mário Silva, demonstrando imenso ca­rinho pela criança, prontificou-se a assisti-la, pessoal­mente. O chefe olhou o relógio e aquiesceu, ressalvando: ele poderia cooperar com An­tonina, mas era indispensável seu concurso em bairro distante, às vinte e duas horas. André e Hilário retornaram então à casa de Amaro, para relataram o acontecido ao Ministro, que os escutou com interesse. (Cap. XXXI, págs. 192 e 193)

 

12. Em casa de Antonina - Clarêncio disse-lhes que não havia tempo a perder. A lei estava reaproximando os amigos do passado e Mário preci­saria fortalecer-se para exercitar o perdão. Seus raios de ódio pode­riam apressar a morte do menino Júlio. O grupo rumou então até à casa de Antonina, onde Mário, após atender à menina enferma, contemplava a dona da casa, perguntando a si mesmo onde vira antes aquele rosto, que julgava haver conhecido anteriormente. O enfermeiro sentia-se ali como se fora em sua própria casa, e disse em viva voz estar experimentando uma paz que há muito não conhecia, com o que Antonina se regozijou, sorrindo. Notando que Haroldo e Henrique, filhos de Antonina, gostavam de futebol, ele deu curso a animada conversa sobre o assunto, conquis­tando-lhes o carinho. Preparando o café, a mãe participava de longe da palestra, que se tornou animada. Foi aí que ela disse ao visitante ter enviuvado. Mário ficou contente com essa informação. Às oito em ponto, Antonina lhe disse: "Sr. Mário, hoje temos nosso culto evangé­lico. Quer ter a bondade de partilhá-lo?" O rapaz concordou, de ime­diato. A reunião foi feita em torno de Lisbela, que não desejava per­der o bene­fício das orações. Henrique fez a prece inicial, pedindo a Jesus a saúde da irmãzinha doente, com enternecedora súplica. Mário foi convi­dado a abrir o Novo Testamento, o que fez, magnetizado por Clarêncio, que lhe tocou o busto e as mãos, influenciando-o para a descoberta do texto adequado, que recaiu no versículo 25 do capítulo 5 do Evangelho segundo Mateus: "Concilia-te depressa com o teu adversá­rio, enquanto te encontras a caminho com ele, para que não aconteça que o adversário te entregue ao juiz e o juiz te entregue ao oficial para que sejas en­cerrado na prisão". (Cap. XXXI, págs. 194 a 196)

 

13. O culto evangélico no lar - Antonina, com a presença do enfer­meiro, se revelou mais retraída; por isso, pediu a interpretação dos meninos que, de modo ingênuo, reportando-se às experiências da escola, afirmaram que sempre adquiriam a paz buscando desculpar as faltas dos companheiros. Haroldo disse que sua professora sempre sorria contente, quando lhe via a boa vontade e Henrique salientou que aprendera no culto do lar que era muito mais agradável o esforço de viver em harmo­nia com todos. A palestra parecia que ia esmorecer, quando Clarêncio, aproximando-se de Antonina, impôs-lhe a destra sobre a fronte. A se­nhora perguntou então ao filho Haroldo como devemos interpretar um inimigo em nossa vida. O menino, sem pestanejar, respondeu: "Mãezinha, a se­nhora nos ensinou que conservar um inimigo em nosso caminho é o mesmo que manter uma ferida perigosa em nosso corpo". Antonina comple­tou: "A definição foi bem lembrada; sem a compreensão fraterna que nos garante o culto da gentileza, sem o perdão que olvida todo mal, a existência na Terra seria uma aventura intolerável. Além disso, quando Jesus nos ditou a lição que recordamos hoje, indubitavelmente conside­rava que a razão nunca vive inteira ao nosso lado. Se fomos ofendidos, em verdade também ofendemos por nossa vez. Precisamos desculpar os ou­tros para que os outros nos desculpem". E a dona da casa concluiu: "Quando abraçamos o ideal do bem, compete-nos tentar, por todos os meios ao nosso al­cance, a justa conciliação com todos os que se encon­trem conosco em desarmonia, prestando-lhes serviço para que renovem a conceituação a nosso respeito. Mais vale para nós o acordo pacífico que a demanda mais preciosa, porque a vida não termina neste mundo e é possível que, buscando a justiça em nosso favor, estejamos cristali­zando a cegueira do egoísmo em nosso próprio coração, caminhando para a morte com afli­tivos problemas. Coração que conserva rancor é coração doente. Alimen­tar ódio ou despeito é estender inomináveis padecimentos morais no próprio espírito". Mário Silva estava pálido. Aquelas con­clusões fe­riam-lhe, fundo, o modo de ser. E na sua tela mental, sem que ele pu­desse deter as suas reminiscências, apareceram Amaro e Zul­mira, como seus desafetos que ele, no âmago do espírito, não conseguia desculpar. (Cap. XXXI, págs. 196 e 197)

 

14. Mãos que curam não podem ferir - Ele os odiava; sim, odiava-os -- pensou de si para consigo --; jamais suportaria um acordo com seme­lhantes adversários. No entanto, a sinceridade de Antonina o encan­tava. Aquela pobre mulher, cercada de três filhinhos, superando talvez obstáculos dos mais inquietantes para viver, constituía um exemplo de quanto podia edificar o espírito de sacrifício. Em nenhum lugar encon­trara tanta fé e, além disso, laços de vigorosa afinidade impeliam-no para ela, cuja palavra lhe impunha indefinível bem-estar... Ele então, fitando-a, indagou: "A senhora julga que devemos procurar a concilia­ção com qualquer espécie de inimigos?" Ela disse: "Sim". "E quando os adversários são de tal modo inconvenientes que a simples aproximação deles nos causa angústia?" A mulher ponderou: "Entendo que há sofri­mentos morais quase intoleráveis, entretanto, a oração é o remédio eficaz de nossas moléstias íntimas. Se temos a infelicidade de possuir inimigos, cuja presença nos perturba, é importante recorrer à prece, rogando a Deus nos conceda forças para que o desequilíbrio desapareça, porque então um caminho de reajuste surgirá para nossa alma". E ajun­tou: "Todos necessitamos da alheia tolerância em determinados aspectos de nossa vida". Os olhos do enfermeiro cintilaram e ele insistiu: "E quando o ódio nos avassala, ainda mesmo quando não desejemos?" Anto­nina respondeu: "Não há ódio que resista aos dissolventes da compreen­são e da boa vontade. Quem procura conhecer a si mesmo, desculpa fa­cilmente..." Silva ficou pálido e Antonina, amparada por Clarêncio, rematou: "Um homem, porém, na sua tarefa, é um missionário do amor fraterno. Quem socorre os doentes, penetra a natureza humana e entra na posse da grande compaixão. As mãos que curam não podem ferir..." Em seguida, o primogênito da casa fez a prece final. Após o café, acom­panhado de um bolo humilde, Mário retirou-se, devido ao compromisso que o aguardava naquela noite, mas prometeu voltar, porque estava ver­dadeiramente feliz! (Cap. XXXI, págs. 197 a 199)

 

15. Mário revê Júlio com aversão - No hospital, a ficha dizia que um menino atacado de crupe exigia socorro imediato. Mário dirigiu-se en­tão ao endereço da criança e, quando foi recebido por Amaro, não pôde ocultar a perplexidade que o assaltara. Identificado pelo ferroviário, que lhe exprimia gentileza e contentamento, ele tartamudeou alguns mo­nossílabos, desapontado, espantadiço... Se soubesse que era aquela casa, ele teria solicitado um substituto, pois a última coisa que que­ria era reaproximar-se de seus desafetos... Abominava o homem que lhe furtara a noiva e não podia lembrar-se de Zulmira sem se tocar de in­sólita aversão... Por que salvar-lhe o filho, se tinha desejos de in­cendiar-lhe a casa? Algo, entretanto, interferia em suas reflexões. Antonina e os filhos, no culto do Evangelho, tomavam-lhe a tela men­tal. Parecia-lhe ouvir, de novo, a palavra meiga e sincera daquela va­lorosa mulher: "As mãos que curam não podem ferir..." "Um enfermeiro diligente será, sem dúvida, o irmão de todos..." "A vida não termina neste mundo..." "Precisamos desculpar os outros para que os outros nos desculpem..." Percebendo sua hesitação, Amaro solicitou em voz sú­plice: "Entre, Mário! conforta-me reconhecer que receberemos o con­curso de um amigo..." O enfermeiro obedeceu maquinalmente e entrou no quarto, perturbado, lívido. Quando viu a mulher que amara apaixonada­mente, trazendo o pequenino ao colo, registrou súbita vertigem de re­volta. Estranha aflição oprimia-lhe o peito. A volúpia da vingança en­ceguecia-o... "Zulmira pagar-lhe-ia, caro, a deserção" -- pensava, de olhos fixos na mãe do menino enfermo. Contemplando a criança que a disp­néia agitava, deu curso a incontida animosidade. Parecia que a odiava de longa data e se surpreendeu com isso... "Como podia detes­tar, as­sim, um inocente com tanta veemência?" (Cap. XXXII, págs. 200 e 201)





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