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Ordm; livro - entre a Terra e o céu 9




 

16. A força do Evangelho - Pensamentos torturantes tomavam a mente do enfermeiro. A idéia de que Amaro e a esposa sofreriam muito, com a morte do menino, acalentou-lhe o duro propósito de desforço. A felicidade daquele lar dependia de sua atuação. "E se cooperasse com a morte, auxiliando aquele rebento enfermiço a desaparecer?" Essa pergunta criminosa traspassou-lhe o pensamento como um estilete de treva. A lembrança do culto evangélico, no lar de Antonina, voltou-lhe, porém, à cabeça. As frases que a valorosa mulher proferira em seus comentários regressavam-lhe aos ouvidos: "Vale sempre mais o acordo pacífico..." "Não devemos nutrir qualquer espécie de aversão..." "Quem ajuda é ajudado..." Os retalhos da palestra edificante eram como que rédeas intangíveis a lhe sofrearem a expansão dos desejos malignos. Zulmira o reconheceu e o cumprimentou. "Mário! -- implorou a pobre senhora, agoniada -- compadeça-se de nós! ajude-nos! Esperei meu filhinho, suportando os maiores sacrifícios... Será crível deva agora vê-lo morrer?" Lágrimas copiosas seguiram-lhe os soluços, mas o enfermeiro apresentava soberana indiferença pela dor da mulher que o abandonara. Seus propósitos eram de vingança, mas o semblante de Antonina o dominava, exaltando o perdão. "Se viesse àquela casa na véspera -- considerou consigo mesmo --, teria exterminado o petiz sem piedade... Recorreria à eutanásia para justificar-se intimamente". Naquela hora, porém, os princípios evangélicos da fraternidade e da conciliação, como pensamentos intrusos, atenazavam-lhe a consciência e, assim, aplicou no enfermo o soro antidiftérico, embora desejasse vê-lo transformar-se em veneno destruidor. André reparou então que as mãos de Mário expeliam escura substância, mas Clarêncio, pousando a destra sobre o pequenino, mantinha-o isolado de semelhantes forças. (Cap. XXXII, págs. 202 e 203)

 

7a R E U N I Ã O

 

(Fonte: Capítulos XXXII a XXXVI.)

 

1. Júlio piora e entra em coma - Ante a exteriorização daquele visco enegrecido, Clarêncio explicou: "São fluidos deletérios do ódio com que Silva, inconscientemente, procura envolver a infeliz criança; contudo, as nossas defesas estão funcionando". O Ministro estabelecera extensa faixa magnética em torno do doentinho, preservando-o contra a influência do visitante. Odila estava aflita e perguntou-lhe se Júlio poderia recuperar-se. Clarêncio informou que o menino deixaria o corpo em breves horas, pois o futuro dele exigia a frustração do presente. A Vontade Divina, elucidou o instrutor, faz sempre o melhor. Como Odila fosse perguntar algo, Clarêncio pediu-lhe que cessasse por enquanto qualquer indagação. Júlio estava a reclamar assistência, vigilância, carinho. Mais tarde, ela saberia de tudo. A interlocutora, mostrando humildade e disciplina, recompôs a expressão fisionômica. Enquanto isso, o enfermeiro fitava o pequeno, como se o hipnotizasse para a morte. Amaro e Zulmira estavam ansiosos. Em dado momento, Júlio estremeceu, empalidecendo; descontrolara-se-lhe o coração. Examinando-lhe o pulso, Mário, agora aterrado, procurou os olhos do pai, e solicitou em voz menos dura: "Convém a presença imediata do nosso facultativo. Receio um choque anafilático de conseqüências fatais". (N.R.: Anafilático diz respeito a anafilaxia -- aumento da sensibilidade do organismo a uma determinada substância com que esse organismo já estivera em contato.) Amaro saiu à busca do médico. Uma hora escoou, vagarosa e terrível... Preocupado, o médico auscultou a criança e, logo após, notificou seu pai: "Surgiu o colapso irremediável. Infelizmente é o fim. Se o senhor tem fé religiosa, confiemos o caso a Deus. Agora, somente a concessão divina..." Um sedativo administrado em Zulmira compeliu-a ao repouso. O menino, em coma, respirava com dificuldade. Vendo que a mulher e a filha descansavam, Amaro foi para uma janela próxima e começou a chorar em silêncio. Ao lado da criança agonizante, o enfermeiro, vendo o sofrimento daquele homem, sentiu-se tocado no imo d'alma. Por que lutara contra semelhante inimigo? -- pensava agora, ensimesmado. Como pudera ele, Mário Silva, ter sido ali tão cruel? (Cap. XXXII, págs. 204 e 206)

 

2. Júlio desencarna - Mário sentia vergonha de si mesmo. Na verdade, não injetara substâncias tóxicas no doente, contudo seus pensamentos não teriam concorrido para abreviar-lhe a morte? Experimentava, então, o desejo de abeirar-se do pai desditoso, para confortá-lo, mas a vergonha o impediu... Os dois permaneceram ali durante quase duas horas, calados e impassíveis. A aurora começava a refletir-se no firmamento quando Amaro abandonou a meditação, aproximando-se do filho quase morto. Num gesto comovente de fé, retirou da parede velho crucifixo de madeira e colocou-o à cabeceira do moribundo. Em seguida, sentou-se no leito e acomodou o menino ao colo com especial ternura. Amparado espiritualmente por Odila, que o enlaçava, demorou o olhar sobre a imagem do Cristo e orou em alta voz: "Divino Jesus, compadece-te de nossas fraquezas!... Tenho meu espírito frágil para lidar com a morte! Dá-nos força e compreensão... Nossos filhos te pertencem, mas como nos dói restituí-los, quando a tua vontade no-los reclama de volta!..." O pranto embargava a voz do ferroviário, mas, mesmo assim, ele prosseguiu: "Se é de teu desígnio que o nosso filhinho parta, Senhor, recebe-o em teus braços de amor e luz! Concede-nos, porém, a precisa coragem para suportar, valorosamente, a nossa cruz de saudade e dor!... Dá-nos resignação, fé, esperança!... Auxilia-nos a entender-te os propósitos e que a tua vontade se cumpra hoje e sempre!..." Jatos de safirina claridade escapavam-lhe do peito, envolvendo a criança, que, pouco a pouco, adormeceu. Júlio afastou-se do corpo de carne, abrigando-se nos braços de Odila, à maneira de um órfão que busca tépido ninho de carícias. Vendo a criança morta, Mário experimentou violenta comoção a constringir-lhe a alma. Convulsivo choro agitou-lhe o peito, enquanto uma voz inarticulada, que parecia nascer dele mesmo, gritava-lhe na consciência: "Assassino! Assassino!..." Ele saiu, então, desorientado e inseguro, para a via pública, a soluçar, atormentado, no seio da noite fria... (Cap. XXXII, págs. 206 e 207)

 

3. Depuração exige esforço e sacrifício - Enquanto seus pais cuidavam dos funerais, Júlio se mostrava aliviado e tranqüilo, nos braços de Odila, como nunca André virá antes. Estavam todos, outra vez, no Lar da Bênção. Enquanto as irmãs permutavam idéias com respeito ao futuro, André indagou de Clarêncio acerca da serenidade que felicitava então o pequenino. O Ministro informou, prestimoso: "Júlio reajustou-se para a continuação regular da luta evolutiva que lhe compete. O renascimento malogrado não teve para ele tão somente a significação expiatória, necessária ao Espírito que deserta do aprendizado, mas também o efeito de um remédio curativo. A permanência no campo físico funcionou como recurso de eliminação da ferida que trazia nos delicados tecidos da alma. A carne, em muitos casos, é assim como um filtro que retém as impurezas do corpo perispiritual, liberando-o de certos males nela adquiridos". O fato significava que Júlio poderia, doravante, exteriorizar-se num corpo sadio, conquistando merecimento para obter uma reencarnação devidamente planejada, com elevados objetivos de serviço. Depois de alguns meses na colônia, ele poderia regressar à Terra, em elogiáveis condições de harmonia consigo mesmo. Seu retorno seria em breve, porque devia atender ao crescimento de qualidades nobres, que somente a reencarnação poderia facilitar. Além disso, era-lhe preciso conviver com Amaro, Zulmira e Mário Silva, de maneira a confraternizar-se realmente com eles, segundo o amor puro que Jesus nos ensinou. André ponderou haver compreendido, então, que as moléstias complicadas e longas, assim como os aleijões de nascença, a paralisia, o mongolismo guardam função específica. "Sim -- confirmou Clarêncio --, por vezes é tão grande a incursão da alma nas regiões de desequilíbrio, que mais extensa se faz para ela a viagem de volta à normalidade". E acrescentou: "O tempo de inferno restaurador corresponde ao tempo de culpa deliberada. Em muitas fases de nossa evolução, somos imantados às teias da carne, que sempre nos reflete a individualidade intrínseca, assim como a argila é conduzida ao calor da cerâmica ou como o metal impuro é arrojado ao cadinho fervente. A depuração exige esforço, sacrifício, paciência..." (Cap. XXXIII, págs. 208 e 209)

 

4. Conseqüências do suicídio - Clarêncio explicou então que quando nosso espírito apreende alguma nesga da glória universal, desperta para as mais sublimes esperanças, sonha com o acesso às esferas divinas, suspira pelo reencontro com amores santificados que o esperam em vanguardas distantes, e aceita, por isso, duros trabalhos de reajuste. Em verdade, indagou Clarêncio, que representam, para nós, "alguns decênios de renunciação na Terra, em confronto com a excelsitude dos séculos de felicidade em mundos de sabedoria e trabalho enaltecedor?" Um dia, asseverou o Ministro, os homens entenderão essa verdade e louvarão, felizes, o concurso da dor, porque todos os seres progridem e avançam para Deus. Da mesma forma que o embrião do jequitibá, com os anos, se converte em tronco vetusto, rico de beleza e utilidade, o espírito, com os milênios, transforma-se em gênio soberano, coroado de amor e sabedoria. Milhares de inteligências, entre o berço e o túmulo, procuram a própria recuperação. "A' medida que se nos aclara a consciência e se nos engrandece a noção de responsabilidade, reconhecemos -- afirmou o Ministro -- que a nossa dignificação espiritual é serviço intransferível. Devemos a nós mesmos quanto nos sucede em matéria de bem ou de mal". André perguntou ao instrutor onde Júlio esteve antes da primeira encarnação como filho de Odila e Amaro. Eis o que Clarêncio informou: "Depois de haver eliminado o próprio corpo, satisfazendo a simples capricho pessoal, sofreu por muitos anos as tristes conseqüências do ato deliberado, amargando nos círculos vizinhos da Terra as torturas do envenenamento a se lhe repetirem no campo mental. A morte prematura, quando traduz indisciplina diante das leis infinitamente compassivas que nos governam, constrange o Espírito que a provoca a dilatada purgação na paisagem espiritual". "Não podemos trair o tempo, e a existência planificada subordina-se a determinada quota de tempo, que nos compete esgotar em trabalho justo. Quando esses recursos não são suficientemente aproveitados, arcamos com tremendos desequilíbrios na organização que nos é própria." Júlio, nesse processo expiatório, nem sempre esteve a sós: quando não se achava em martirizada solidão, via-se onde se lhe mantinha preso o pensamento, ou seja, na atmosfera psíquica de Lina, Armando e Esteves, que lhe serviam de pontos básicos ao ódio. Jesus nos ensinava que o homem terá o seu tesouro onde guarde o coração e, de fato, todos nos imantamos, em espírito, a pessoas, lugares e objetos, aos quais se liguem os nossos sentimentos. (Cap. XXXIII, págs. 210 e 211)

 

5. Uma reencarnação difícil - Como ele detestasse a Amaro mais profundamente, pesava com mais intensidade sobre este. O ferroviário, quando na erraticidade, conheceu-lhe a perseguição acérrima, ouvindo-lhe as acusações e as queixas, nas regiões purgatoriais, e, ao se reencarnar, foi seguido de perto por Júlio, que lhe afligia a mente, exigindo o necessário concurso à formação do novo corpo. Como ele fora indiretamente responsável pelo suicídio do ex-amigo, agora a Lei permitia-lhe a união com o desafeto, necessitado de nova oportunidade. "Entre o credor e o devedor há sempre o fio espiritual do compromisso", asseverou Clarêncio. A vida de Amaro foi, por isso, algo conturbada, sobretudo na juventude. Em sonhos, fora do corpo denso, ele se encontrava com o adversário que lhe pedia o retorno ao mundo e, ansioso pela reconciliação, pensava no casamento com extremado desassossego, desejoso de saldar a conta que reconhecia dever. Jovem ainda, encontrou Odila que o aguardava, conforme ambos haviam programado, na vida espiritual. As vibrações de Júlio eram, contudo, tão incômodas, que Odila não conseguiu acolhê-lo, de imediato, recebendo primeiro Evelina, de vez que a ligação do casal com ela se baseava em doces afinidades. O caso de Amaro na juventude ajuda-nos a entender por que muitos jovens se arrojam ao casamento com absoluta inaptidão para as grandes responsabilidades... Na base dos sonhos juvenis, quase sempre moram dívidas angustiosas a que não se pode fugir... "Sim -- confirmou o Ministro --, grande número de paixões afetivas no mundo correspondem a autênticas obsessões ou psicoses, que só a realidade consegue tratar com êxito". "Em muitas ocasiões, por trás do anseio de união conjugal, vibra o passado, através de requisições dos amigos ou inimigos desencarnados, aos quais devemos colaboração efetiva para a reconquista do veículo carnal. A inquietação afetiva pode expressar escuros labirintos da retaguarda..." (Cap. XXXIII, págs. 211 a 213)

 

6. Anjos de guarda - A referência feita por Clarêncio levou André a indagar sobre a existência de anjos de guarda. Estes vivem em nossa esfera? Clarêncio, admirado com a pergunta, disse que os Espíritos tutelares encontram-se em todas as esferas. Os anjos da sublime vigilância seguem-nos a longa estrada evolutiva e desvelam-se por nós, dentro das leis que nos regem; todavia, não se pode esquecer que nos movimentamos todos em círculos multidimensionais. "A cadeia de ascensão do espírito vai da intimidade do abismo à suprema glória celeste", acentuou o Ministro. Plasmamos nossa individualidade imperecível no espaço e no tempo, ao preço de continuadas e difíceis experiências. "A idéia de um ente divinizado e perfeito, invariavelmente ao nosso lado, ao dispor de nossos caprichos ou ao sabor de nossas dívidas, não concorda com a justiça", asseverou Clarêncio. "Que governo terrestre -- ponderou o instrutor -- destacaria um de seus ministros mais sábios e especializados na garantia do bem de todos para colar-se, indefinidamente, ao destino de um só homem, quase sempre renitente cultor de complicados enigmas e necessitado, por isso mesmo, das mais severas lições da vida?". Os anjos de guarda não vivem então conosco? A essa indagação, Clarêncio informou: "Não digo isso. O Sol está com o verme, amparando-o na furna, a milhões e milhões de quilômetros, sem que o verme esteja com o Sol". Em seguida, o instrutor completou: "Anjo, segundo a acepção justa do termo, é mensageiro. Ora, há mensageiros de todas as condições e de todas as procedências e, por isso, a antigüidade sempre admitiu a existência de anjos bons e anjos maus. Anjo de guarda, desde as concepções religiosas mais antigas, é uma expressão que define o Espírito celeste que vigia a criatura em nome de Deus ou pessoa que se devota infinitamente a outra, ajudando-a e defendendo-a. Em qualquer região, convivem conosco os Espíritos familiares de nossa vida e de nossa luta. Dos seres mais embrutecidos aos mais sublimados, temos a corrente de amor, cujos elos podemos simbolizar nas almas que se querem ou que se afinam umas com as outras, dentro da infinita gradação do progresso". (Cap. XXXIII, págs. 213 a 215)

 

7. Recebemos de acordo com nossas obras - Depois de tecer outras considerações sobre o assunto, salientando a devoção das mães, Clarêncio asseverou que todas as criaturas contam com louváveis devotamentos de entidades afins que se lhes afeiçoam. A orfandade real não existe. Em nome do Amor, todos recebem assistência onde quer que se encontrem. Os gregos sabiam disso e recorriam aos seus gênios invisíveis. Os romanos compreendiam essa verdade e cultuavam os numes domésticos. "O gênio guardião será sempre um Espírito benfazejo para o protegido -- observou Clarêncio --, mas é imperioso anotar que os laços afetivos, em torno de nós, ainda se encontram em marcha ascendente para mais altos níveis da vida. Com toda a veneração que lhes devemos, importa reconhecer, nos Espíritos familiares que nos protegem, grandes e respeitáveis heróis do bem, mas ainda singularmente distanciados da angelitude eterna". "Naturalmente, avançam em linhas enobrecidas, em planos elevados, todavia, ainda sentem inclinações e paixões particulares, no rumo da universalização de sentimentos." E' certamente por isso que a intuição popular assevera: "nossos anjos de guarda não combinam entre si", reconhecendo não serem eles seres perfeitos. No Lar da Bênção, Blandina quis saber se Júlio desencarnou ou não no momento certo. Clarêncio explicou não haver nenhuma dúvida quanto a isso. A Lei funcionou, exata. Quanto aos jatos de pensamento escuro emitidos pelo enfermeiro, se o menino não estivesse protegido, teriam efetivamente abreviado sua morte, e, ainda assim, a Lei ter-se-ia cumprido. Os pensamentos escuros de Mário voltaram, entretanto, para ele mesmo. Como os emitiu com evidente propósito de matar, experimentava então, em razão disso, o remorso de um autêntico assassino. Clarêncio, ao relatar isso a Blandina, concluiu: "Permaneçamos convencidos, minha filha, de que, em qualquer lugar e em qualquer tempo, receberemos da vida, de acordo com as nossas próprias obras". (Cap. XXXIII, págs. 215 a 217)

 

8. Zulmira adoece - Na noite seguinte, Odila -- que já sabia do drama vivido no passado por seus familiares -- veio buscar socorro para Zulmira, que se arrojara a profundo abatimento, recusando remédio e alimentação. Era mais de meia-noite, na cidade, quando Clarêncio e seus dois pupilos atravessaram a porta acolhedora da casa de Amaro. Zulmira jazia no leito em prostração deplorável. Emagrecera de modo alarmante. Fundas olheiras roxas contrastavam com a acentuada palidez do rosto. Rememorava ainda a cena do afogamento de seu enteado, sem imaginar que o retivera nos braços como filho. Pensava que a perda deste era uma punição por sua culpa, mas a morte do filho constituía dolorosa pena imposta ao seu maternal coração. A pobre mulher reconhecia-se esmagada. O complexo de culpa retomara-lhe o cérebro e enfermara-lhe o coração. Valeria a pena erguer-se e viver? Após examiná-la e ver diversos medicamentos à cabeceira, Clarêncio informou: "O remédio de Zulmira é daqueles que a farmácia não possui. Virá dela mesma. Precisamos refazer-lhe a esperança e o gosto de viver. Descontrolou-se-lhe, de novo, a mente. Desinteressou-se da luta e a abstenção de alimentos acarreta-lhe a inanição progressiva". Não seria saudável para ela reencontrar-se com o menino? A essa pergunta de Hilário, Clarêncio respondeu afirmativamente; contudo, Júlio precisava ainda de pelo menos uma semana de absoluto repouso. (Cap. XXXIV, págs. 218 e 219)

 

9. Auxílio a Mário - O Ministro entrou em ação, aplicando-lhe recursos magnéticos, com o concurso de André. A tensão nervosa de Zulmira atingira, porém, o apogeu e apenas conseguiram sossegá-la, sem conduzi-la ao sono reparador. Odila, fortalecida, tomava-a aos seus cuidados, quando ocorreu um fato imprevisto. Mário Silva, desligado do corpo físico, com a rapidez de um relâmpago penetrou o quarto, de olhos esgazeados, como um louco, contemplou a doente por alguns instantes e afastou-se. Clarêncio elucidou o acontecido: "E' sabido que o criminoso habitualmente volta ao local do crime. O remorso é uma força que nos algema à retaguarda". E, dito isso, avisou: Mário voltará. Com efeito, o enfermeiro, pouco depois, retornou ao aposento de Zulmira e, fixando a enferma, rojou-se de joelhos, exclamando: "Perdão! perdão!... sou um assassino! um assassino!..." Em seguida, antes que fosse auxiliado pelo grupo socorrista, projetou-se para fora da casa. Clarêncio, condoído com o que viu, dispôs-se a soerguê-lo. Num átimo, eles se dirigiram à casa do enfermeiro, onde este vivia um pesadelo aflitivo, contido no leito à custa de poderosos anestésicos. Uma freira desencarnada rezava junto dele. Interrompendo a prece, a irmã os saudou com simpatia, informando que ali estava, desde algumas horas, em serviço de vigilância, pois o estado de Mário era francamente anormal e ela temia a intromissão de Espíritos "diabólicos". Clarêncio não declinou sua posição. "E' enfermeira?", perguntou o instrutor. Ela disse não ser propriamente do serviço de saúde, mas colaboradora no hospital onde Mário trabalhava. Fitando o rapaz, acrescentou, piedosa: "E' um cooperador devotado às crianças doentes e a cuja assiduidade e carinho muito passamos a dever". E, numa linguagem genuinamente católica romana, ajuntou: "Muitas almas benditas têm descido do Céu para testemunhar-lhe agradecimento. Isso tem acontecido tantas vezes que, com alguns médicos e assistentes, fez-se credor das melhores atenções de nossa Irmandade". (Cap. XXXIV, págs. 220 e 221)

 

10. Onde vivem os ouvidos de Deus - Clarêncio perguntou à irmã como soubera que Mário estava assim tão conturbado. Ela não fora notificada diretamente, contudo, como ele não compareceu às tarefas habituais, isso foi suficiente para indicar que algo de grave estava acontecendo. Sua superiora a designara para verificar o que havia e, desde então, encontrava-se presa naquela casa, porque não supunha a existência de tantos Espíritos das trevas na vizinhança. A freira explicou então que trabalhava sob a direção de Madre Paula, que lhe explicou "ser a enfermagem nas casas públicas de tratamento uma forma de purgatório benigno, até que possamos merecer novas bênçãos de Deus". No leito, Mário gemia inquieto, e Clarêncio passou a afagar-lhe a fronte. A irmã acercou-se respeitosamente do Ministro e disse, calma: "Irmão, Madre Paula costuma dizer-nos que os ouvidos de Deus vivem no coração das grandes almas. Estou certa de que escutastes minhas rogativas. Tenho-vos por emissários da Corte Celeste. Acredito que, desse modo, me compete a obrigação de confiar-vos nosso doente". Dito isso, a freira ausentou-se, prometendo voltar em breve tempo. Clarêncio informou então que a bondosa irmã pertencia a uma organização espiritual de servidores católicos, dedicados à caridade evangélica. "Temos diversas instituições dessa natureza, em cujos quadros de serviço inúmeras entidades se preparam gradualmente para o conhecimento superior", acrescentou o Ministro, explicando que todas as escolas religiosas dispõem de grandes valores na vida espiritual. "Nas religiões -- aditou Clarêncio --, o campo da sublimação está povoado pelos espíritos generosos e liberais, conscientes de nossa suprema destinação para o bem, ao passo que, nas linhas escuras da ignorância, ainda enxameiam as almas pesadas de ódio e egoísmo". "Achamo-nos em evolução e cada um de nós respira no degrau em que se colocou." A freira teria penetrado a verdade com que fomos surpreendidos depois da morte? A essa pergunta de André, Clarêncio respondeu, de forma enigmática: "Cada Inteligência só recebe da verdade a porção que pode reter". "Mas essa freira sabe que deixou o mundo, sabe que desencarnou e prossegue, assim mesmo, como se via antes?", indagou André. "Sim", confirmou Clarêncio, imperturbável. (Cap. XXXIV, págs. 221 a 224)

 

11. Insuficiência dos passes - André indagou ainda se a freira já estava informada sobre a existência de vida noutras esferas e noutros mundos. Clarêncio meneou a cabeça e respondeu: "Isso não. Ela não oferece a impressão de quem se libertou do círculo das próprias idéias para caminhar ao encontro das surpresas de que o Universo transborda. Mentalmente, revela-se adstrita às concepções que elegeu na Terra, como sendo as mais convenientes à própria felicidade". Era preciso, porém, ter por ela a maior consideração pelo bem que praticava. O momento de seu entendimento chegaria na hora certa, porque cada Espírito tem uma senda diversa a percorrer, como os planetas possuem rota própria. No caso de Mário Silva, a lição maior a ser destacada era a da sementeira e dos seus frutos. O enfermeiro, apesar da sua ruinosa impulsividade, era prestimoso no atendimento aos enfermos, tornando-se credor do carinho alheio. Embora não devotado às lides religiosas, irritável e agressivo, revelava-se correto cumpridor de seus deveres e sabia ser paciente e caridoso, no desempenho das próprias obrigações, com o que granjeou a simpatia de muitos... Disso é que decorria o atendimento prestado pela irmã desencarnada. O ensinamento era efetivamente comovedor, mas acabou sendo interrompido pelos gemidos de Mário, que, impressionado com a morte de Júlio, conservava aflitivo complexo de culpa e tinha seu pensamento ligado ao falecido, à maneira de imagem fixada na chapa fotográfica. Mário havia passado o dia acamado, sob extrema perturbação, e nem mesmo foi à casa de Antonina, conforme previa, porquanto se sentira vencido, envergonhado. André perguntou se não seria possível socorrê-lo através de passes magnéticos, ao que Clarêncio respondeu, seguro de si: "O auxílio dessa natureza ampara-lhe as forças, mas não resolve o problema. Silva deve ser atingido na mente, a fim de melhorar-se. Requisita idéias renovadoras e, no momento, Antonina é a única pessoa capaz de reerguê-lo com mais segurança". E acrescentou: "Tudo na vida tem a sua razão de ser. Noutra época, Silva, na personalidade de Esteves, aliou-se a Antonina, então na experiência de Lola Ibarruri, para se afogarem no prazer pecaminoso, com esquecimento das melhores obrigações da vida. Atualmente, estarão reunidos na recuperação justa. Os que se associam na leviandade, à frente da Lei, acabam esposando enormes compromissos para o reajustamento necessário. Ninguém confunde os princípios que regem a existência". Clarêncio informou, então, que no dia seguinte à tarde eles voltariam à casa de Mário, para conduzi-lo à residência de Antonina. Pouco depois, a freira regressou ao aposento do enfermeiro, assistida por outra irmã, que os cumprimentou com atenciosa reserva. Ambas haviam sido designadas para a tarefa de auxílio ao cooperador doente. A congregação encarregar-se-ia de todos os trabalhos de vigilância e enfermagem espiritual, enquanto Mário assim permanecesse. (Cap. XXXIV, págs. 224 a 226)





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