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Ordm; livro - entre a Terra e o céu 1 страница




ANDRÉ LUIZ - 1954 - 8 REUNIÕES

1a REUNIÃO

(Fonte: Prefácio e capítulos I a VI.)

1. Nosso "hoje" será a luz ou a treva do nosso "amanhã" - No prefácio, Emmanuel informa que da história contida neste livro destacam-se os impositivos do respeito que nos cabe consagrar ao corpo físico e do culto incessante de serviço ao bem, para retirarmos da romagem terrena as melhores vantagens com vistas à vida imperecível. Nenhuma situação espetaculosa nele iremos encontrar. Em suas páginas o que veremos é a vida comum das almas que aspiram à vitória sobre si mesmas, valendo-se dos tesouros do tempo para a aquisição de luz renovadora. André reuniu nesta obra quadros e situações que são comuns nos lares terrenos, e sobre tais fatos, por ensinamento central, ele nos mostra a necessi­dade da valorização dos recursos que o mundo nos oferece para a rees­truturação do nosso destino. "Em muitas ocasiões, somos induzidos -- diz Emmanuel -- a fitar a amplidão celestial, incorporando energia para conquistar o futuro; entretanto, muitas vezes somos constrangidos a observar o trilho terrestre, a fim de entender o passado a que o nosso presente deve a sua origem". Neste livro somos, pois, forçados a contemplar-nos por dentro, em nossas experiências e possibilidades, "para que não nos falhe o equilíbrio à jornada redentora, no rumo do porvir". E' como se dele uma voz inarticulada do Plano Divino nos fa­lasse: "A Lei é viva e a Justiça não falha! Esquece o mal para sempre e semeia o bem cada dia!... Ajuda aos que te cercam, auxiliando a ti mesmo! O tempo não pára, e, se agora encontras o teu ontem, não olvi­des que o teu hoje será a luz ou a treva do teu amanhã!..." (Prefácio, págs. 7 e 8)

 

2. Toda prece provoca uma reação correspondente - Clarêncio comentava, no Templo do Socorro, em "Nosso Lar", a sublimidade da prece, e todos o ouviam com a melhor atenção. "Todo desejo -- dizia o Ministro -- é manancial de poder. A planta que se eleva para o alto, convertendo a própria energia em fruto que alimenta a vida, é um ser que ansiou por multiplicar-se..." Um dos ouvintes lembrou, contudo, que todo peditório reclama quem ouça. Assim, quem teria respondido aos rogos, sem pa­lavras, da planta? Clarêncio respondeu, tranqüilo: "A Lei, como repre­sentação de nosso Pai Celestial, manifesta-se a tudo e a todos, atra­vés dos múltiplos agentes que a servem. No caso a que nos reportamos, o Sol sustentou o vegetal, conferindo-lhe recursos para alcançar os objetivos que se propunha atingir". E, com significativo entono na voz, o Benfeitor continuou: "Em nome de Deus, as criaturas, tanto quanto possível, atendem às criaturas. Assim como possuímos em eletri­cidade os transformadores de energia para o adequado aproveitamento da força, temos igualmente, em todos os domínios do Universo, os trans­formadores da bênção, do socorro, do esclarecimento... As correntes centrais da vida partem do Todo-Poderoso e descem a flux, transubstan­ciadas de maneira infinita. Da luz suprema à treva total, e vice-versa, temos o fluxo e o refluxo do sopro do Criador, através de seres incontáveis, escalonados em todos os tons do instinto, da inteligên­cia, da razão, da humanidade e da angelitude, que modificam a energia divina, de acordo com a graduação do trabalho evolutivo, no meio em que se encontram". Clarêncio informou, então, que cada degrau da vida está superlotado por milhões de criaturas: "O caminho da ascensão es­piritual é bem aquela escada milagrosa da visão de Jacob, que passava pela Terra e se perdia nos céus... A prece, qualquer que ela seja, é ação provocando a reação que lhe corresponde". O Instrutor explicou que a prece às vezes paira na região em que foi emitida ou se eleva mais, ou menos, recebendo resposta imediata ou remota, conforme as suas finalidades. Almas enobrecidas amparam os impulsos de expressão mais nobre... Ideais e petições de grande significação remontam às al­turas... Cada prece, esclareceu Clarêncio, se caracteriza por determi­nado potencial de freqüência e todos nós estamos cercados por Inteli­gências capazes de sintonizar com o nosso apelo, à maneira de estações receptoras, visto que a Humanidade Universal constitui-se de criaturas de Deus, em diversas idades e posições... (Cap. I, págs. 9 e 10)

 

3. O mal reage sobre aqueles que o praticam - Clarêncio deixou claro que no Reino Espiritual devemos considerar também os "princípios da herança". Cada consciência, à medida que se aperfeiçoa e se santifica, aprimora em si qualidades do Pai, harmonizando-se, gradativamente, com a Lei. "Quanto mais elevada a percentagem dessas qualidades num espí­rito, mais amplo é o seu poder de cooperar na execução do Plano Di­vino, respondendo às solicitações da vida, em nome de Deus", acrescen­tou o Ministro. Ele esclareceu, contudo, que devemos abster-nos de utilizar a palavra "prece", quando uma pessoa invoca as forças espiri­tuais para propósitos malignos. "Quando alguém nutre o desejo de per­petrar uma falta está invocando forças inferiores e mobilizando recur­sos pelos quais se responsabilizará", explicou o Instrutor. Podemos, então, através dos impulsos infelizes da alma, descer às desvairadas vibrações da cólera ou do vício e com facilidade cair no poço do crime, ligando-nos de imediato a certas mentes estagnadas na ignorân­cia, que se fazem instrumentos de nossas baixas idealizações ou das quais nos tornamos joguetes. Nossas aspirações movimentam energias para o bem ou para o mal; a escolha é nossa. Daí o cuidado com a dire­ção que lhes dermos, visto que nosso pensamento voará diante de nós, atraindo e formando a realização que nos propomos atingir... O Minis­tro lembrou, ainda, "que o mal é sempre um círculo fechado sobre si mesmo, guardando temporariamente aqueles que o criaram, qual se fora um quisto de curta ou longa duração, a dissolver-se, por fim, no bem infinito, à medida que se reeducam as Inteligências que a ele se aglu­tinam e afeiçoam". E' por isso que o Senhor tolera a desarmonia, para que, através dela mesma, se efetue o reajustamento moral dos que a susten­tam, de vez que o mal reage sobre aqueles que o praticam. Somos todos senhores de nossas criações e, ao mesmo tempo, delas escravos infortu­nados ou felizes tutelados. "Pedimos e obtemos, mas pagaremos por to­das as aquisições", acentuou Clarêncio. "A responsabilidade é princí­pio divino a que ninguém poderá fugir." (Cap. I, págs. 10 a 12)

 

4. Uma oração refratada - Atendendo a um pedido que veio da Crosta, Clarêncio passou a examinar um pequeno gráfico que uma auxiliar do Templo do Socorro lhe entregou. Exibindo o documento que trazia nas mãos, o Ministro explicou: "Temos aqui uma oração comovedora que supe­rou as linhas vibratórias comuns do plano de matéria mais densa. Parte de uma devotada servidora que se ausentou de nossa cidade espiritual, há precisamente quinze anos terrestres, para determinadas tarefas na reencarnação". Informou que referida jovem recebia ainda a orientação dos Instrutores Espirituais de "Nosso Lar" e, respondendo a uma dúvida suscitada por Hilário, reportou-se à complexidade do programa reencar­natório, afirmando que quanto mais vastos os recursos espirituais de quem retorna à carne, mais complexo o mapa de trabalho a ser obede­cido. "Quase todos temos do pretérito expressivo montante de débito a resgatar e todos somos desafiados pelas aquisições a fazer. Nisso está o programa, significando em si uma espécie de fatalidade relativa no ciclo de experiências que nos cabe atender; entretanto, a conduta é sempre nossa e, dentro dela, podemos gerar circunstâncias em nosso be­nefício ou em nosso desfavor", elucidou o Ministro, que mostrou que o livre arbítrio, também relativo, "é uma realidade inconteste em todas as esferas de evolução da consciência", mas em todos os planos marcha­mos em verdadeira interdependência: os filhos precisam dos pais, os doentes necessitam dos médicos, os moços não prescindem do aviso dos mais velhos... No caso em foco, tratava-se de uma oração refratada, que, diante da ignorância geral, foi assim definida por Clarêncio: "A prece refratada é aquela cujo impulso luminoso teve a sua direção des­viada, passando a outro objetivo". Evelina, a jovem cuja reencarnação fora garantida pe­los Instrutores de "Nosso Lar", é quem, encontrando-se em extremas di­ficuldades, fizera aquele apelo em favor do pai, às voltas com a saúde periclitante, e da madrasta, que vinha sofrendo obstinada perseguição por parte de Odila, a própria mãe de­sencarnada da suplicante. (Cap. II, págs. 13 a 15)

 

5. O caso Evelina - Odila, a mãe da jovem, não se resignara ainda com a perda da primazia feminina em seu lar. Fazia dois anos que Eulália se empenhava por dissuadi-la, mas a genitora de Evelina vivia enove­lada nos laços escuros do ciúme e nada ouvia. O egoísmo a fazia esque­cer os compromissos abraçados. Zulmira, por sua vez, a segunda esposa de Amaro, desde a morte de Júlio caíra em profundo abatimento. O pe­queno Júlio, filho de Amaro, morrera afogado, consoante as provas de que se fez devedor. Como Zulmira, por não amá-lo, chegou a desejar o seu desaparecimento, ela se acreditava culpada pelo acontecimento... Evelina, além da perda do irmão, ocorrida em trágicas circunstâncias, achava-se desorientada, entre o pai aflito e a segunda mãe em deses­pero. Chorando, comovedoramente, diante da fotografia de Odila, ela pedia proteção à mãe, sem saber que esta, envolvida nas teias das pró­prias criações mentais, não estava em condições de ajudá-la. Sua in­sistência na rogativa fora tanta, que as preces, quebrando a direção, chegaram até à Colônia: eis a oração refratada. Como a mãe não poderia ajudá-la, a súplica da jovem, desferida em elevada freqüência, varou os círculos inferiores e buscou o apoio que não lhe faltará jamais. Clarêncio informou-se das minúcias do caso e dois dias depois, acom­panhado por Eulália, Hilário e André, rumou para a residência de Eve­lina, situada num dos bairros do Rio de Janeiro. O relógio marcava 21 horas quando eles chegaram. Amaro, o pai, lia um manual de mecânica. "Este é Amaro, o chefe da casa", informou Clarêncio. "Tem, no longo pretérito, com­plicados compromissos. Em muitas ocasiões, usou projetis e lâminas de ferro para o mal. Hoje, é servidor categorizado numa fer­rovia..." Eve­lina, que contava 14 anos, estava em seu quarto bordando iniciais num lenço de linho. Magra e triste, não assinalou a presença das Entida­des, mas, ao contacto das mãos espirituais de Clarêncio, re­velou inde­finível contentamento interior. O Ministro informou que Eve­lina estava ligada aos pais, através de imenso amor, desde séculos re­motos. Nesta existência ela viera ao encontro de criaturas e situações das quais ne­cessitava para a própria ascensão, mas trouxe também con­sigo a tarefa de auxiliar os pais. Naquele momento, disse o Benfeitor, ela acredi­tava-se amparada pela mãe, contudo, pelos méritos já acumu­lados na vida espiritual, era ela quem continuava a socorrer o coração materno, ainda em luta... (Cap. II, págs. 15 a 17)

 

6. Ciúme e obsessão - Zulmira, com quem Amaro se casara em segundas núpcias, era uma jovem de vinte e cinco anos, cujo rosto delicado pa­recia haver saído de uma tela preciosa. A mulher estava, porém, in­quieta, e seus olhos revelavam o pavor de que se achava possuída, em face da constrição obsessiva que lhe era movida por Odila. Recostada num travesseiro, esta mantinha a destra sobre a medula alongada de Zulmira, como se quisesse controlar-lhe as impressões nervosas, e fios cinzentos que lhe fluíam da cabeça envolviam-lhe o centro coronário, obliterando-lhe os núcleos de força. Nem uma nem outra perceberam que André Luiz se aproxi­mara. A obsessão tinha por causa o ciúme. Empe­nhada em combater aquela que considerava sua rival, Odila imantava-se à ou­tra, através do veículo perispirítico, na região cerebral, domi­nando-lhe a complicada rede de estímulos nervosos e influenciando-lhe os centros metabólicos, com o que lhe alterava profundamente o funciona­mento orgânico. André indagou por que ela não reagia à ação obsessiva. Clarêncio elucidou: "Porque Zulmira, a nossa amiga encar­nada, caiu no mesmo padrão vibratório. Ela também se devotou ao marido com egoísmo aviltante". E informou que a jovem mulher nutria ciúme do carinho que Amaro devotava aos filhos do primeiro matrimônio. Zulmira revoltava-se, choramingava e doía-se constantemente, diante das meno­res manifestações de ternura paternal, entrelaçando-se, por isso mesmo, com as desvairadas energias da falecida ciumenta. E seu doentio ciúme era tanto, que ela chegou até a desejar a morte de uma das crianças, porque pretendia possuir o coração do amado com absoluto ex­clusivismo. Como Amaro era mais devotado ao menino Júlio, então com oito anos, a mulher emitiu muitas vezes, silenciosamente, o anseio de vê-lo afogar-se na praia em que costumeiramente se banhavam. Certa manhã, custodiando os enteados, separou Evelina do irmão, permitindo ao menino mais ampla incursão nas águas. O objetivo foi atingido. Uma onda rápida surpreendeu o garoto, arrojando-o ao fundo. Júlio morreu. O sofrimento de todos foi enorme e Amaro sentiu-se psiquicamente dis­tanciado da segunda esposa, classificando-a como relaxada e cruel com seus filhos. Zulmira, acabrunhada com o acontecimento e guardando con­sigo a responsabilidade indireta pelo desastre, caiu obsidiada ante a influência da rival que a subjugava. (Cap. III, págs. 18 a 20)

 

7. A violência não ajuda na desobsessão - Elucidando o caso, Clarêncio observou: "O sentimento de culpa é sempre um colapso da consciência e, através dele, sombrias forças se insinuam... Zulmira, pelo remorso destrutivo, tombou no mesmo nível emocional de Odila e ambas se digla­diam, num conflito de morte, inacessível aos olhos humanos comuns. E' um caso em que a medicina terrestre não consegue interferência". André notou que Odila, como se registrasse, por intuição, a presença dos Mentores, agarrou-se à encarnada com mais força e gritou: "Ninguém a libertará! Sou infeliz mãe espoliada... Farei justiça por minhas pró­prias mãos!..." E dirigindo-se à enferma, clamava: "Assassina! Assas­sina!... Mataste meu filhinho! Morrerás também!..." Claro que Zulmira nada ouvia, mas, envolta na onda magnética que a enlaçava, sentia-se morrer. Hilário e André fizeram menção de interferir, afastando a en­tidade, mas Clarêncio deteve-os, advertindo: "A violência não ajuda. As duas se encontram ligadas uma à outra. Separá-las à força seria a dilaceração de conseqüências imprevisíveis". "A exasperação da mulher desencarnada pesaria demasiado sobre os centros cerebrais de Zulmira e a lipotimia poderia acarretar a paralisia ou mesmo a morte do corpo." (N.R.: Lipotimia é o mesmo que síncope, delíquio, desmaio: queda sú­bita da pressão arterial ou colapso circulatório, acompanhado de perda mais ou menos completa da consciência.) Hilário, contrafeito, indagou então se não seria justo afastar o algoz da vítima. Clarêncio, após mostrar os riscos decorrentes da separação pela força, esclareceu que, no caso, era preciso atuar na elaboração dos pensamentos da irmã que tomara a iniciativa da perseguição. Era imprescindível, justificou, dar outro rumo à vontade dela, deslocando-lhe o centro mental e confe­rindo-lhe outros interesses e diferentes aspirações. Para isso, a pre­paração era indispensável. Uma doutrinação pura e simples seria cabí­vel, mas não suficiente. "Nossa intervenção no campo espiritual de Odila -- explicou o Ministro -- deve ser envolvente e segura para evi­tar choques e contra choques, que repercutiriam desastrosamente sobre a outra. Nem doçura prejudicial, nem energia contundente..." Era neces­sário, segundo o Benfeitor, buscar alguém que já tivesse amealhado na alma bastante amor e entendimento para conversar com o poder criador da renovação. E mencionou que irmã Clara seria a pessoa indicada. Da parte deles, o que seria possível era apenas a dispensação de algum alívio e nada mais. Foram então aplicados passes calmantes, de longo curso, em Zulmira, e esta adormeceu. (Cap. III, págs. 20 a 22)

 

8. A culpa de Zulmira - A enferma ausentou-se do corpo, mas não des­frutava a paz que se estampara na máscara física. Odila a dominava acusando-a pela morte de Júlio: "Destroçarei tua vida, não me furtarás o afeto de Amaro... Armarei o coração de Evelina contra ti!..." Zul­mira respondia-lhe não ter culpa na morte do menino, mas Odila conhe­cia os seus pensamentos e desejos e se aproveitava disso para afligi-la. Zulmira desembaraçou-se, então, de re­pente, dos braços que a opri­miam e correu para fora, seguida pela ou­tra. Clarêncio comentou que, quando ela conseguia sossegar o corpo, caía em freqüentes pesadelos, e propôs ao grupo segui-las, aditando que elas se dirigiam à praia onde se deu a morte do pequenino, visto que Zulmira ainda não se libertara das aflitivas reminiscências de que estava possuída. André estranhava o rumo dos acontecimentos. Ora, se ela não era a autora do crime, por que tamanha provação? De fato, Zul­mira não fora propriamente a autora, mas desejara a morte da criança, chegando mesmo a favorecê-la. O afeto de Amaro pelo filho não tinha sido assimilado pela jovem esposa, que, ralada de despeito, passou a ver em Júlio um adversário de sua felici­dade doméstica. Contra Eve­lina, a madrasta nada sentia, mas o pequeno a excitava, chegando até a provocar-lhe um ódio crescente, a ponto de suspirar pela morte do rapazinho. No instante do afogamento, a criança gritou pedindo-lhe ajuda e ela poderia ter retrocedido alguns passos, sal­vando-a. Vencida, no entanto, pelos sinistros pensamentos que a domi­navam, esperou que o mar concluísse o horrível trabalho e só então clamou por socorro. Amaro acorreu, precipite, mas já era tarde... (Cap. IV, págs. 23 a 25)

 

9. Nossas obras mostram quem somos - Vendo o esposo torturado, cho­rando amargosamente a perda do filho querido, foi que Zulmira se arre­pendeu e, atormentada pela noção de culpa, desceu ao padrão vibratório de Odila, que a seguia, em silêncio, revoltada. Enquanto se mantivera com a paz de consciência, defendia-se naturalmente contra a persegui­ção invisível, mas, condenando a si mesma, resvalou em deplorável per­turbação, à maneira de alguém que desertasse de uma casa iluminada, embrenhando-se numa floresta de sombra. Desde então, a pobre mulher perdera a ventura doméstica e a tranqüilidade própria. Naquele lar, ela e o marido respiravam sob o mesmo teto, qual se fossem estranhos entre si. André perguntou se à frente da Lei divina Zulmira era cul­pada. Clarêncio afirmou que não; no sentido real da Lei, Zulmira não tinha culpa pelo que aconteceu, mas ele observou: "Todavia, quem de nós não é responsável pelas idéias que arroja de si mesmo? Nossas in­tenções são atenuantes ou agravantes das faltas que cometemos. Nossos desejos são forças mentais coagulantes, materializando-nos as ações que, no fundo, constituem o verdadeiro campo em que a nossa vida se movimenta. Os frutos falam pelas árvores que os produzem. Nossas obras, na esfera viva de nossa consciência, são a expressão gritante de nós mesmos. A forma de nosso pensamento dá feição ao nosso des­tino". A morte prematura de Júlio estava prevista no quadro de pro­vações: era ele um suicida reencarnado. Zulmira padecia, contudo, o retorno das vibrações envenenadas que arremessou na direção do menino, porque, pelo ciúme, criou ao redor de si mesma um ambiente pestilen­cial, em que seus próprios pensamentos malignos conseguiram prospe­rar... André quis saber se Odila poderia ver o filho no plano espiri­tual e, com isso, amenizar seu sofrimento. Clarêncio afirmou que, in­felizmente, tal não era possível, porque a infortunada possuía o cen­tro genésico plenamente descontrolado e isso lhe impedia visão mais ampla. Sua paixão pelo esposo era muito grande, em vista do apego en­louquecedor aos vínculos do sexo, que a paixão nada faz senão desvir­tuar. Desencarnada em pleno vigor de seu idealismo feminino, não pos­suía uma fé religiosa capaz de reeducar-lhe os impulsos, o que expli­cava a superexcitação em que se encontrava. (Cap. IV, págs. 26 a 28)

 

10. A influência benéfica do mar - Na orla do mar, em plena noite, a movimentação da vida espiritual era muito intensa. Desencarnados de várias procedências reencontravam ali amigos que ainda se demoravam na Terra, destacando-se, dentre esses, grande número de enfermos. Servi­ços magnéticos de socorro urgente eram improvisados aqui e além... E o ar, confrontado ao que se respirava na cidade, era muito diverso. Bri­sas refrescantes sopravam de longe, carreando princípios regeneradores e insuflando em todos delicioso bem-estar. "O oceano é miraculoso reser­vatório de forças -- elucidou Clarêncio --; até aqui, muitos compa­nheiros de nosso plano trazem os irmãos doentes, ainda ligados ao corpo da Terra, de modo a receberem refazimento e repouso". E explicou que enfermeiros e amigos espirituais cuidavam da reconstituição das energias de seus tutelados. Tal como acontece na montanha arborizada, a atmosfera marinha permanece impregnada por infinitos recursos de vi­talidade da Natureza. O oxigênio sem mácula, casado às emanações do planeta, converte-se em precioso alimento da organização espiritual, principalmente quando o indivíduo se acha ainda, direta ou indireta­mente, associado aos fluidos da matéria mais densa. A poucos passos, André viu que uma senhora encarnada, acometida por um câncer, fora re­tirada do corpo físico, através da hipnose, e levada até à praia, para receber a assistência magnética necessária. Esse tratamento poderia curá-la? O Ministro, ante a pergunta de André, aclarou: "Realmente, na obra assistencial dos espíritos amigos, que interferem nos tecidos su­tis da alma, é possível, quando a criatura se desprende parcialmente da carne, a realização de maravilhas. Atuando nos centros do perispí­rito, por vezes efetuamos alterações profundas na saúde dos pacientes, alterações essas que se fixam no corpo somático, de maneira gradativa. Grandes males são assim corrigidos, enormes renovações são assim rea­lizadas. Mormente quando encontramos o serviço da prece na mente enri­quecida pela fé transformadora, facilitando-nos a intervenção pela passividade construtiva do campo em que devemos operar, a tarefa de socorro concretiza verdadeiros milagres". E ajuntou: "O corpo físico é mantido pelo corpo espiritual, a cujos moldes se ajusta e, desse modo, a influência sobre o organismo sutil é decisiva para o envoltó­rio de carne, em que a mente se manifesta". (Cap. V, págs. 29 a 31)

 

11. Enfermidade longa é uma bênção - Clarêncio esclareceu, contudo, que a ação das entidades está subordinada à Lei que rege a todos. No problema daquela irmã, o concurso do plano espiritual conseguiria so­mente angariar-lhe reconforto. A moléstia, em razão das provas assina­ladas em seu roteiro pessoal, atingira já insopitável extensão. Hilá­rio interveio: "Quer dizer que ela, agora, apenas se habilita à morte calma?" "Justamente", respondeu o Ministro. "Com a cooperação em curso, despertará no corpo desfalecente mais serena e mais confortada. Repetindo as excursões até aqui, noite a noite, habituar-se-á, com en­tendimento superior, à idéia da partida, transmitindo aos familiares resignação e coragem para o transe da separação; aprenderá a contri­buir com o seu esforço, no sentido de aliviar-lhes as aflições pela humildade que edificará, dentro de si mesma... pouco a pouco; desli­gar-se-á da carne enfermiça, acentuando a luz interior da própria consciência, a fim de separar-se do ambiente que lhe é caro como quem encontra na morte física valiosa liberação para serviço mais enobre­cido. E, assim, em algumas semanas, mostrar-se-á admiravelmente prepa­rada ante o novo caminho..." Fez-se ligeira pausa, e Clarêncio acres­centou: "A enfermidade longa é uma bênção desconhecida entre os ho­mens, constitui precioso curso preparatório da alma para a grande li­bertação. Sem a moléstia dilatada, é muito difícil o êxito rápido no trabalho da morte". Nesse momento, Zulmira e Odila chegaram à praia. Clarêncio pediu ao grupo atenção, mas elas não perceberam a presença do Ministro e de seus companheiros. Zulmira revelava na face o intra­duzível terror dos que se abeiram do extremo desequilíbrio, enquanto Odila lhe martelava o cérebro, reiterando, sem piedade: "Recorda o crime, infeliz! lembra-te da horrível manhã em que te fizeste assas­sina! onde colocaste meu filho? porque afogaste um inocente?" "Não, não! -- respondeu a pobrezinha dementada -- não fui eu! juro que não fui eu! Júlio foi tragado pelas ondas..." "E porque não velaste pela criança que meu marido levianamente confiou às tuas mãos infiéis? acaso, não te acusa a própria consciência? onde situas o senso de mu­lher?", perguntou Odila, que em seguida acrescentou: "Pagar-me-ás alto preço pelo relaxamento delituoso... Não permitirei que Amaro te ame, alimentarei a antipatia dele contra ti, atormentarei as pessoas que te desejarem socorrer, destruirei a própria casa de que te apossaste e me pertence!" (Cap. V, págs. 31 e 32)





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